A Comic-Con de San Diego serve de pretexto para pensarmos questões quentes dos mercados cinematográficos, incluindo algum cepticismo em torno do 3D... e também para recordarmos Lawrence da Arábia (recentemente reeditado em DVD) — este texto foi publicado no Diário de Notícias (25 de Julho), com o título 'Ainda restam actores na época do 3D?'.
A Comic-Con de San Diego, Califórnia, é um misto de mercado e celebração que, embora com raízes na banda desenhada, acabou por integrar o cinema, em particular nas suas expressões mais espectaculares. Na prática, por lá passam os protagonistas de algumas estreias dos meses seguintes, centrais na estratégia comercial de Hollywood. A edição deste ano (22-25 Julho) fica marcada pela presença de muitos actores veteranos, de algum modo contrariando as tendências da cultura “adolescente” que prevalece nas salas de cinema, em particular durante o Verão.
Num curioso artigo publicado no New York Times (dia 23), Michael Cieply e Brooke Barnes descrevem mesmo a presença de tais veteranos (Bruce Willis, Sylvester Stallone, Helen Mirren, etc.) como um sinal revelador de resistência a alguns vectores do actual mercado, em particular o incremento do 3D: a vaga digital que o cinema está a viver (sendo o 3D a sua mais agressiva imagem de marca) não excluiu, antes parece poder revalorizar, o estatuto dos actores e, em particular, o valor comercial e simbólico das estrelas.
Não vale a pena alimentar ilusões sobre tudo isso, nem favorecer qualquer nostalgia de sentido único. O digital está longe de ser um fenómeno uniforme, contribuindo também para criar condições cada vez mais diversificadas para os circuitos “alternativos” e, em particular, para as produções de pequeno orçamento. Uma coisa é certa: todos parecem começar a ter consciência do paradoxo cultural em que pode estar a formar-se uma nova geração de espectadores. Que paradoxo é esse? O de associar as proezas tecnológicas e espectaculares do cinema a filmes dos últimos dois ou três anos, ignorando toda uma imensa (e riquíssima) história com mais de um século.
O problema não é simples nem novo. E é de natureza eminentemente educacional. Em boa verdade, nas últimas duas décadas agudizou-se com os espectadores cuja formação audiovisual passou a ser dominada pelos ecrãs televisivos e de computador. Podemos pressentir a sua complexidade face ao relançamento, em DVD, de Lawrence da Arábia (1962), a obra-prima de David Lean sobre T. E. Lawrence, protagonizada por Peter O’Toole.
O drama não é apenas que possa haver espectadores, de olhar “viciado” no digital, que se limitem a encolher os ombros face à sofisticação narrativa e riqueza humana do cinema de Lean... O drama nasce da eventual redução de Lawrence da Arábia à superfície do ecrã caseiro (seja ele qual for), desconhecendo em absoluto a sua pertença a uma idade de ouro do grande espectáculo cinematográfico. De facto, quando Lawrence da Arábia estreou, o cinema era um fenómeno muito mais central na dinâmica social do que é hoje em dia. E não se trata de estabelecer hierarquias de “melhor” e “pior”. Acontece que a ignorância de tudo isso limita a nossa disponibilidade, e também a nossa inteligência, enquanto espectadores.
A Comic-Con de San Diego, Califórnia, é um misto de mercado e celebração que, embora com raízes na banda desenhada, acabou por integrar o cinema, em particular nas suas expressões mais espectaculares. Na prática, por lá passam os protagonistas de algumas estreias dos meses seguintes, centrais na estratégia comercial de Hollywood. A edição deste ano (22-25 Julho) fica marcada pela presença de muitos actores veteranos, de algum modo contrariando as tendências da cultura “adolescente” que prevalece nas salas de cinema, em particular durante o Verão.
Num curioso artigo publicado no New York Times (dia 23), Michael Cieply e Brooke Barnes descrevem mesmo a presença de tais veteranos (Bruce Willis, Sylvester Stallone, Helen Mirren, etc.) como um sinal revelador de resistência a alguns vectores do actual mercado, em particular o incremento do 3D: a vaga digital que o cinema está a viver (sendo o 3D a sua mais agressiva imagem de marca) não excluiu, antes parece poder revalorizar, o estatuto dos actores e, em particular, o valor comercial e simbólico das estrelas.
Não vale a pena alimentar ilusões sobre tudo isso, nem favorecer qualquer nostalgia de sentido único. O digital está longe de ser um fenómeno uniforme, contribuindo também para criar condições cada vez mais diversificadas para os circuitos “alternativos” e, em particular, para as produções de pequeno orçamento. Uma coisa é certa: todos parecem começar a ter consciência do paradoxo cultural em que pode estar a formar-se uma nova geração de espectadores. Que paradoxo é esse? O de associar as proezas tecnológicas e espectaculares do cinema a filmes dos últimos dois ou três anos, ignorando toda uma imensa (e riquíssima) história com mais de um século.
O problema não é simples nem novo. E é de natureza eminentemente educacional. Em boa verdade, nas últimas duas décadas agudizou-se com os espectadores cuja formação audiovisual passou a ser dominada pelos ecrãs televisivos e de computador. Podemos pressentir a sua complexidade face ao relançamento, em DVD, de Lawrence da Arábia (1962), a obra-prima de David Lean sobre T. E. Lawrence, protagonizada por Peter O’Toole.
O drama não é apenas que possa haver espectadores, de olhar “viciado” no digital, que se limitem a encolher os ombros face à sofisticação narrativa e riqueza humana do cinema de Lean... O drama nasce da eventual redução de Lawrence da Arábia à superfície do ecrã caseiro (seja ele qual for), desconhecendo em absoluto a sua pertença a uma idade de ouro do grande espectáculo cinematográfico. De facto, quando Lawrence da Arábia estreou, o cinema era um fenómeno muito mais central na dinâmica social do que é hoje em dia. E não se trata de estabelecer hierarquias de “melhor” e “pior”. Acontece que a ignorância de tudo isso limita a nossa disponibilidade, e também a nossa inteligência, enquanto espectadores.