Cinema do Uruguai? É verdade. Com grande atraso, mas também muito interessante — este texto foi publicado no Diário de Notícias (3 de Julho), com o título 'Uma história do Uruguai'.Mais uma vez, torna-se inevitável referir que o mercado cinematográfico continua a revelar desequilíbrios graves. Este Whisky, por exemplo, vem do Uruguai (resultando de uma coprodução com Argentina, Alemanha e Espanha) e chega-nos com seis anos de atraso: ganhou o prémio da crítica (FIPRESCI) no Festival de Cannes de 2004 e, no ano seguinte, arrebatou, em Espanha, o Goya para melhor filme estrangeiro em língua espanhola (aliás, como complemento, surge A Dama da Lapa, de Joana Toste, curta-metragem de animação portuguesa produzida também em 2004).
Escusado será dizer que nada disto diminui o mérito de quem distribui e exibe os filmes, mas também não resolve um problema que vai afectando todos os agentes do mercado: o alheamento de muitas estreias em relação às dinâmicas internacionais da actualidade cinematográfica. Daí a interrogação que se renova: o que é que esses agentes, sobretudo os mais poderosos, estão a fazer para chegar a todos os nichos de público e não afogar as salas com o marketing sempre igual dos blockbusters?
Whisky é uma curiosa abordagem do quotidiano que não se satisfaz com nenhum estereótipo, seja ele dramático ou moral. Trata-se, aliás, de uma história bizarra cuja personagem central, Jacobo (Andrés Pazos), proprietário de uma pequena fábrica de meias, em Montevideo, tenta inventar uma “identidade”: quando o seu irmão Herman (Jorge Bolani) o vem visitar, depois de muitos anos de silêncio, Jacobo pede à encarregada, Marta (Mirella Pascual), que se faça passar por sua mulher...Há uma ironia muito amarga que faz lembrar os ambientes de alguns dramas (ou comédias) do cinema clássico italiano. Em todo o caso, o filme não anda à procura de cauções: impõe-se como uma narrativa que acredita naquilo que filma e, sobretudo, reconhece que nenhuma descrição meramente pitoresca pode dar conta da complexidade das relações humanas. Aspecto a não menosprezar: no seu minimalismo austero, os três actores são um exemplo modelar de subtileza e capacidade de sugestão.