domingo, julho 11, 2010

João Moutinho & Fátima Lopes: o mercado

Afinal, o que é isso da pertença a um clube de futebol? Ou o que significa ser estrela de televisão? -- este texto foi publicado no Diário de Notícias (9 de Julho), com o título 'Época de transferências'.

As televisões bem se esforçam por encontrar motivos de agitação. Afinal de contas, não é fácil manter o delírio catastrofista que passou a ser o pão nosso de cada dia da informação mais medíocre. E convenhamos que mesmo a vaga de calor já não alimenta o pânico. Aliás, deixámos de ter sol e subidas de temperatura. Tudo isso era uma perigosa terminologia salazarista: agora, vivemos em continuado “alerta amarelo” e não será arriscado supor que muitos cidadãos passaram a confundir a linguagem da burocracia meteorológica com uma nova forma de comédia.
Foi neste contexto que surgiu, apesar de tudo, uma hipótese mediática: João Moutinho transferiu-se do Sporting para o F. C. Porto e, de repente, percebemos que as televisões tinham descoberto um filão tão rentável como o de uma boa crise política, para mais poupando os números de circo de alguns repórteres à espera dos políticos à saída de uma qualquer porta mais estreita...
Por irónica coincidência, João Moutinho ruma ao Porto na mesma altura em que Fátima Lopes sai da SIC para a TVI. As duas transferências encerram uma lição cuja simplicidade vale a pena sublinhar. É uma lição que desmascara a demagogia do discurso de algumas personalidades dos mundos paralelos do futebol e da televisão. Assim, não ficará mal a essas personalidades pouparem-nos a cíclicas lavagens ao cérebro, tentando vender-nos a imagem de um mundo de solidariedade (e amor à camisola...) em que só existem santos e santas que vivem o futebol e a televisão como um apostolado de comovente dedicação a causas transcendentais.
Nada disso. Nem sequer há um qualquer drama interessante para espreitar com espírito mais ou menos “voyeur”: goste-se mais ou goste-se menos de João Moutinho e Fátima Lopes, ambos são vedetas de um mercado de trabalho que, sejamos claros, não tem a candura infantil como um dos seus valores primordiais. Transformar qualquer um deles em réu de um processo de moralização dos costumes será, além do mais, um golpe ainda mais hipócrita que tudo o resto. Afinal de contas, os espectadores de tudo isto somos nós.