.jpg)
O aparato em torno da chegada da urna de José Saramago a Lisboa constituiu mais um episódio da corrente pornografia televisiva, com a frieza dos factos transformada em apoteose do mais histérico vazio “informativo”. Imagens da espera (?) do avião, repórteres ansiosos, discursos saturados de lugares-comuns, perguntas ridículas aos “populares”... Num universo em que a cultura literária está quotidianamente atrofiada, pairava uma nuvem de hipocrisia muito humana. Demasiado humana.

Que se passa na cabeça destes repórteres que não têm gosto em olhar nem escutar e vão para a rua apenas à procura de agitações mais ou menos anedóticas e interlocutores que possam “entalar” com as suas perguntas? Será que, meio século depois, não conhecem os filmes com que Michelangelo Antonioni (A Aventura, A Noite, O Eclipse, etc.) nos ensinou a lidar com a incongruência do mundo e, muitas vezes, o seu vazio de significações? Encontramos, aliás, o mesmo determinismo no futebol: esta semana, algures, um comentador dizia que um golo resultante de um remate desviado por um defesa tinha sido um belo golo porque... “merecia entrar”. E se não “merecesse”? Repetia-se o jogo? Já nem nos deixam apreciar os paradoxos e maravilhas do futebol.