As reportagens (?) sobre as cerimónias fúnebres de José Saramago foram um espelho trágico do estado da informação televisiva — este texto foi publicado no Diário de Notícias (25 de Junho).
O aparato em torno da chegada da urna de José Saramago a Lisboa constituiu mais um episódio da corrente pornografia televisiva, com a frieza dos factos transformada em apoteose do mais histérico vazio “informativo”. Imagens da espera (?) do avião, repórteres ansiosos, discursos saturados de lugares-comuns, perguntas ridículas aos “populares”... Num universo em que a cultura literária está quotidianamente atrofiada, pairava uma nuvem de hipocrisia muito humana. Demasiado humana.
Neste contexto, é arrepiante observar como há toda uma geração de jovens repórteres formados numa escola de sensacionalismo “jornalístico” que todos os dias reduzem tudo o que é diferença ou contradição a uma única lei: a do conflito maniqueísta. À saída da sessão solene na Câmara Municipal, não faltou sequer uma voz feminina para questionar Jerónimo de Sousa sobre a possibilidade de a bandeira do Partido Comunista ir ou não acompanhar a urna de Saramago. Reflexão sobre a trágica herança, factual e simbólica, do comunismo no século XX? Nada disso. Não há tempo para reflectir. Apenas a insinuação pueril da possibilidade de uma “polémica” em torno do papel oficial da bandeira de Portugal (o inquirido, honra lhe seja feita, teve a lucidez de sublinhar que se tratava de uma homenagem do país e que, por isso mesmo, prevalecia o uso da bandeira nacional).
Que se passa na cabeça destes repórteres que não têm gosto em olhar nem escutar e vão para a rua apenas à procura de agitações mais ou menos anedóticas e interlocutores que possam “entalar” com as suas perguntas? Será que, meio século depois, não conhecem os filmes com que Michelangelo Antonioni (A Aventura, A Noite, O Eclipse, etc.) nos ensinou a lidar com a incongruência do mundo e, muitas vezes, o seu vazio de significações? Encontramos, aliás, o mesmo determinismo no futebol: esta semana, algures, um comentador dizia que um golo resultante de um remate desviado por um defesa tinha sido um belo golo porque... “merecia entrar”. E se não “merecesse”? Repetia-se o jogo? Já nem nos deixam apreciar os paradoxos e maravilhas do futebol.
O aparato em torno da chegada da urna de José Saramago a Lisboa constituiu mais um episódio da corrente pornografia televisiva, com a frieza dos factos transformada em apoteose do mais histérico vazio “informativo”. Imagens da espera (?) do avião, repórteres ansiosos, discursos saturados de lugares-comuns, perguntas ridículas aos “populares”... Num universo em que a cultura literária está quotidianamente atrofiada, pairava uma nuvem de hipocrisia muito humana. Demasiado humana.
Neste contexto, é arrepiante observar como há toda uma geração de jovens repórteres formados numa escola de sensacionalismo “jornalístico” que todos os dias reduzem tudo o que é diferença ou contradição a uma única lei: a do conflito maniqueísta. À saída da sessão solene na Câmara Municipal, não faltou sequer uma voz feminina para questionar Jerónimo de Sousa sobre a possibilidade de a bandeira do Partido Comunista ir ou não acompanhar a urna de Saramago. Reflexão sobre a trágica herança, factual e simbólica, do comunismo no século XX? Nada disso. Não há tempo para reflectir. Apenas a insinuação pueril da possibilidade de uma “polémica” em torno do papel oficial da bandeira de Portugal (o inquirido, honra lhe seja feita, teve a lucidez de sublinhar que se tratava de uma homenagem do país e que, por isso mesmo, prevalecia o uso da bandeira nacional).
Que se passa na cabeça destes repórteres que não têm gosto em olhar nem escutar e vão para a rua apenas à procura de agitações mais ou menos anedóticas e interlocutores que possam “entalar” com as suas perguntas? Será que, meio século depois, não conhecem os filmes com que Michelangelo Antonioni (A Aventura, A Noite, O Eclipse, etc.) nos ensinou a lidar com a incongruência do mundo e, muitas vezes, o seu vazio de significações? Encontramos, aliás, o mesmo determinismo no futebol: esta semana, algures, um comentador dizia que um golo resultante de um remate desviado por um defesa tinha sido um belo golo porque... “merecia entrar”. E se não “merecesse”? Repetia-se o jogo? Já nem nos deixam apreciar os paradoxos e maravilhas do futebol.