Escrevo num teclado do centro de imprensa do Festival de Cannes, sujeito a nao empregar os acentos, cedilhas, etc., que a lingua portuguesa contem... E, no entanto, se escrevo e porque acredito que, apesar de tudo, alguma coisa passa ou pode passar. Dito de outro: mesmo na mais benigna das linguagens, existe o desejo de que algo circule. O filme de Jean-Luc Godard — Film Socialisme (a palavra "film" faz parte do titulo) — nasce dessa consciencia magoada, porventura tragica, de que o que dizemos/filmamos e sempre escasso face a pluralidade do mundo. E que, por isso mesmo, importa continuar a dizer/filmar, sob pena de nos fecharmos, fechando a linguagem dos outros, num ensimesmamento sem passado nem futuro. Dir-se-ia um telejornal, nao das catastrofes anedoticas que a televisao fabrica com os grandes e pequenos acidentes, mas sim consciente de um assombramento de catastrofico vazio que atinge as palavras, as geracoes e, helas!, a Europa! Godard filma como ninguem, ou melhor, na imaginacao de alguem que possa relancar as suas imagens, corrigindo a solidao que as habita. Ah, e tambem os sons, essas imagens de insuperavel pudor.