Com Um Sonho Possível/The Blind Side reencontramos um cinema americano que não cede às facilidades que, por vezes, dominam uma produção apenas enraizada na proliferação de efeitos especiais — este texto foi publicado no Diário de Notícias (25 de Março), com o título 'O valor simbólico de um Oscar'.
Perante a vulgaridade dos “famosos” que a televisão fabrica e a imprensa rosácea promove e arrasa com idêntico despudor, será difícil acreditar que o estatuto de estrela de cinema já foi uma coisa séria. No caso das mulheres, ser Elizabeth Taylor, Katharine Hepburn ou Bette Davis era uma arte a tempo inteiro, tecida de inteligência, glamour e mistério. Tempos houve em que a felicidade do mundo não dependia dos disparates mais ou menos alcoólicos de Paris Hilton ou da revelação dos namorados da desamparada Lindsay Lohan...
Em Hollywood, ao longo da derradeira década do século XX, tal decadência traduziu-se na proliferação de personagens “adolescentes” para quem o feminino seria, na melhor das hipóteses, uma marca de perfume. Consequência prática: a rarefacção de papéis capazes de exigir às actrizes, novas e velhas, verdadeiros trabalhos de composição. Daí o valor simbólico do Oscar atribuído a Sandra Bullock pelo papel da mãe de Um Sonho Possível. Desde logo, porque se trata de uma personagem não linear, jogando com padrões clássicos do melodrama familiar, mas escapando ponto por ponto a qualquer cliché moralista; depois, porque a sua interpretação desmente a noção simplista (viciada na histeria tecnológica do presente) segundo a qual o actor seria cada vez mais dispensável nas narrativas cinematográficas.
Tal como Robin Wright Penn, em As Vidas Privadas de Pippa Lee, ou Meryl Streep, em Amar É Complicado, Sandra Bullock vem provar que a arte de representar permanece indissociável da energia criativa de Hollywood. O facto é tanto mais importante quanto surge intimamente ligado ao retorno dos valores mais tradicionais do realismo social. Por vezes, ser conservador pode ser uma bela ousadia.
Perante a vulgaridade dos “famosos” que a televisão fabrica e a imprensa rosácea promove e arrasa com idêntico despudor, será difícil acreditar que o estatuto de estrela de cinema já foi uma coisa séria. No caso das mulheres, ser Elizabeth Taylor, Katharine Hepburn ou Bette Davis era uma arte a tempo inteiro, tecida de inteligência, glamour e mistério. Tempos houve em que a felicidade do mundo não dependia dos disparates mais ou menos alcoólicos de Paris Hilton ou da revelação dos namorados da desamparada Lindsay Lohan...
Em Hollywood, ao longo da derradeira década do século XX, tal decadência traduziu-se na proliferação de personagens “adolescentes” para quem o feminino seria, na melhor das hipóteses, uma marca de perfume. Consequência prática: a rarefacção de papéis capazes de exigir às actrizes, novas e velhas, verdadeiros trabalhos de composição. Daí o valor simbólico do Oscar atribuído a Sandra Bullock pelo papel da mãe de Um Sonho Possível. Desde logo, porque se trata de uma personagem não linear, jogando com padrões clássicos do melodrama familiar, mas escapando ponto por ponto a qualquer cliché moralista; depois, porque a sua interpretação desmente a noção simplista (viciada na histeria tecnológica do presente) segundo a qual o actor seria cada vez mais dispensável nas narrativas cinematográficas.
Tal como Robin Wright Penn, em As Vidas Privadas de Pippa Lee, ou Meryl Streep, em Amar É Complicado, Sandra Bullock vem provar que a arte de representar permanece indissociável da energia criativa de Hollywood. O facto é tanto mais importante quanto surge intimamente ligado ao retorno dos valores mais tradicionais do realismo social. Por vezes, ser conservador pode ser uma bela ousadia.