José Sócrates esteve na televisão, na noite de 22 de Fevereiro (SIC, entrevistado por Miguel Sousa Tavares): este é um retrato breve da sua passagem — texto publicado no Diário de Notícias (23 de Fevereiro), com o título 'A televisão é o nosso altar?'.
No século XXI, como é que alguém vai à televisão mostrar que fala verdade? Provavelmente, vestindo um fato cinzento escuro, uma gravata em tom azulado, olhando nos olhos de quem lhe faz as perguntas. É bom que haja quem formule essas perguntas em vez de usar a televisão como palco de insinuações (ou coisas piores). Mas nada disso invalida a tragédia suspensa que fabricámos: temos a televisão como instância de produção de verdade e... não temos mais nada.
No século XXI, já não procuramos a verdade nos livros, nos filmes ou nas músicas; passámos mesmo a ler os jornais como meros roteiros de hipóteses de verdade (e nem todos merecem que os tratemos assim). Neste mundo culturalmente tão pobre, esperamos que a televisão, por obra e graça de uma magia que as mais nobres igrejas há muito deixaram de reivindicar, seja o nosso altar de verdade. Mesmo que víssemos claramente visto o primeiro-ministro a afogar-se num poço de mentiras, dir-se-ia que desistimos de pensar e olhar à nossa volta.