quarta-feira, fevereiro 10, 2010

Na intimidade da Fórmula 1

Deambulando através de um mundo em que aquilo que acontece agora... já passou — este texto foi publicado no Diário de Notícias (5 de Fevereiro), com o título 'Vertigem e intimidade'.

O som da Fórmula 1 mete-me medo. Dito de outro modo: fascina-me aquela teia de coisas que demoram mais tempo a descrever do que a acontecer. Quando dizemos “aquele carro ali”, em boa verdade o “ali” já não existe... É por isso também que me interessam sempre as imagens que conseguem mostrar-nos o universo da Fórmula 1, não apenas como velocidade e vertigem, mas também como fenómeno íntimo, quase secreto.
Ao descobrir esta fotografia de Fernando Alonso [Pedro Armestre/AFP], nos testes da Ferrari em Valência, não pude deixar de pensar em Grande Prémio (1966) [cartaz], filme que não sendo exactamente uma obra-prima nos transmitia esse sentimento de uma intimidade protegida pelos seus próprios rituais. Realizado por John Frankenheimer, com James Garner, Eva Marie Saint e Yves Montand (e Françoise Hardy!), embora correspondendo a uma idade bem diferente da Fórmula 1, Grande Prémio era especialmente acutilante no retrato da solidão do condutor no espaço ultra-condicionado do seu bólide (mea culpa: a palavra “bólide” caiu em desuso).
Há um lugar-comum do jornalismo televisivo que consiste em perguntar aos entrevistados, a propósito das coisas mais diversas, “o que é que sente quando...?”. De facto, o que se sente é um pouco como o carro a alta velocidade: já passou. Nos olhos de Alonso, aquilo que se pressente é bem diverso: “Tenho que ser completamente racional e não sentir nada”.