Que é feito do imaginário das estrelas e, em particular, dos actores e actrizes de Hollywood? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (31 de Janeiro), com o título 'As estrelas de cinema ainda existem?'.
Há dias, numa pesquisa de clássicos de Hollywood, encontrei a foto de Margaret Sullavan aqui reproduzida. Foi uma actriz brilhante cujo nome está ligado a alguns títulos admiráveis como Paz na Guerra (King Vidor, 1935), Três Camaradas (Frank Borzage, 1938) ou A Loja da Esquina (Ernst Lubitsch, 1940). Nunca ganhou um Oscar (teve uma única nomeação, com o filme de Borzage) e nunca passou de uma estrela discreta. A sua vida privada foi muito atribulada, com quatro casamentos, o primeiro dos quais, com Henry Fonda, durou apenas dois meses. Morreu acidentalmente, devido a um excesso de barbitúricos, no dia 1 de Janeiro de 1960, contava 50 anos.
É caso para dizer que, para além dos filmes, de Margaret Sullavan ficou a herança de imagens magníficas como esta. E não é por mera nostalgia cinéfila que o digo. Aliás, nem sequer se trata de uma evocação especificamente cinematográfica, mas sim da constatação de uma lógica industrial: naquela época, a iconografia dos actores passava muito (em boa verdade, quase em exclusivo) por um sistema de imagens gerado pelo próprio contexto de produção em que trabalhavam.
Hoje em dia, são cada vez menos aqueles (e aquelas) que têm esse privilégio iconográfico e, consequentemente, o poder figurativo que daí decorre. O efeito devastador do jornalismo das “celebridades” (ou dos “famosos”, como se instituiu no espaço luso-brasileiro) desvalorizou as fotografias de estúdio, injectando no imaginário do público as fotos mais ou menos anedóticas (“apanhados”) como uma ilustração prática da “fama”. E é significativo que os actores que ainda controlam algo das suas imagens, o façam como uma espécie de exorcismo. Em 2005, por exemplo, Steven Klein fotografou Brad Pitt e Angelina Jolie em ambiente familiar, dando origem a uma espantosa série de imagens com qualquer coisa de desespero simbólico: começava com o par em convívio com os filhos, desembocando em cenas dos dois, sozinhos, encenando rituais de mútua destruição.
Há toda uma nova geração (ou duas) de espectadores educados para encarar o imaginário cinematográfico como um conjunto de referências para usar e deitar fora, e tanto mais quanto o cinema é todos os dias reduzido a uma estúpida competição em torno das receitas nas bilheteiras (observe-se o massacre “noticioso” dos números de Avatar). O que é triste não é tanto o facto de esses mesmos espectadores desconhecerem em absoluto Margaret Sullavan e as peculiaridades do contexto criativo em que o seu nome emergiu. É, isso sim, o triunfo de uma indiferença incapaz de pressentir na sua imagem a apoteose de uma arte e dos seus valores. E está por provar que a possibilidade de conhecer e partilhar essa mesma imagem a partir de um telemóvel (ou qualquer outro gadget) seja, por si só, uma boa escola do olhar.
Há dias, numa pesquisa de clássicos de Hollywood, encontrei a foto de Margaret Sullavan aqui reproduzida. Foi uma actriz brilhante cujo nome está ligado a alguns títulos admiráveis como Paz na Guerra (King Vidor, 1935), Três Camaradas (Frank Borzage, 1938) ou A Loja da Esquina (Ernst Lubitsch, 1940). Nunca ganhou um Oscar (teve uma única nomeação, com o filme de Borzage) e nunca passou de uma estrela discreta. A sua vida privada foi muito atribulada, com quatro casamentos, o primeiro dos quais, com Henry Fonda, durou apenas dois meses. Morreu acidentalmente, devido a um excesso de barbitúricos, no dia 1 de Janeiro de 1960, contava 50 anos.
É caso para dizer que, para além dos filmes, de Margaret Sullavan ficou a herança de imagens magníficas como esta. E não é por mera nostalgia cinéfila que o digo. Aliás, nem sequer se trata de uma evocação especificamente cinematográfica, mas sim da constatação de uma lógica industrial: naquela época, a iconografia dos actores passava muito (em boa verdade, quase em exclusivo) por um sistema de imagens gerado pelo próprio contexto de produção em que trabalhavam.
Hoje em dia, são cada vez menos aqueles (e aquelas) que têm esse privilégio iconográfico e, consequentemente, o poder figurativo que daí decorre. O efeito devastador do jornalismo das “celebridades” (ou dos “famosos”, como se instituiu no espaço luso-brasileiro) desvalorizou as fotografias de estúdio, injectando no imaginário do público as fotos mais ou menos anedóticas (“apanhados”) como uma ilustração prática da “fama”. E é significativo que os actores que ainda controlam algo das suas imagens, o façam como uma espécie de exorcismo. Em 2005, por exemplo, Steven Klein fotografou Brad Pitt e Angelina Jolie em ambiente familiar, dando origem a uma espantosa série de imagens com qualquer coisa de desespero simbólico: começava com o par em convívio com os filhos, desembocando em cenas dos dois, sozinhos, encenando rituais de mútua destruição.
Há toda uma nova geração (ou duas) de espectadores educados para encarar o imaginário cinematográfico como um conjunto de referências para usar e deitar fora, e tanto mais quanto o cinema é todos os dias reduzido a uma estúpida competição em torno das receitas nas bilheteiras (observe-se o massacre “noticioso” dos números de Avatar). O que é triste não é tanto o facto de esses mesmos espectadores desconhecerem em absoluto Margaret Sullavan e as peculiaridades do contexto criativo em que o seu nome emergiu. É, isso sim, o triunfo de uma indiferença incapaz de pressentir na sua imagem a apoteose de uma arte e dos seus valores. E está por provar que a possibilidade de conhecer e partilhar essa mesma imagem a partir de um telemóvel (ou qualquer outro gadget) seja, por si só, uma boa escola do olhar.
STEVEN KLEIN
Brad Pitt e Angelina Jolie
2005
Brad Pitt e Angelina Jolie
2005