quinta-feira, fevereiro 04, 2010

Discos da semana 2010 (4)

Deu os primeiros passos na música bem cedo, colaborando numa canção do pai (Serge). E gravou, pouco depois um primeiro álbum, novamente em colaboração directa com ele. Passaram 20 anos e, em 2006, desta vez com os Air como centro de uma família de colaboradores (onde se incluíam Jarvis Cocker, Neil Hannon e Nigel Godrich), regressou aos discos em 5.55… Desta vez o intervalo de silêncio na música – numa carreira que há muito tem o cinema como principal destino – foi de menos de quatro anos. E eis que entra em cena IRM um disco que, apesar de assinado e vocalmente protagonizado por Charlotte Gainsbourg, conta na verdade com outro co-protagonista de peso: chama-se Beck (que assina todos os temas salvo um e produz). Apesar da regularidade com que o músico tem criado álbuns interessantes, este é na verdade o melhor conjunto de canções que assina desde Midnite Vultures. Apesar de afastar a sua voz de um primeiro plano na mistura final, a presença de Beck é evidente quer nas linguagens visitadas pela escrita das canções (Heaven Can Wait é claro exemplo), quer pelo ecletismo das formas o modo de entender a construção de uma colecção de canções com uma visão cénica com sentido de espaço. Charlotte não é aqui contudo apenas uma actriz. Nem o seu nome uma mera ponte para heranças colhidas na obra do seu pai (bem evidentes, por exemplo, em Voyages ou na forma como o tema-título se interessa pelo discurso dos ritmos como Serge Gainsbourg nos mostrou no marcante Gainsbourg Percussions, de 1964. A sua presença molda as canções com traços de personalidade. E não evita mesmo a reflexão de marcas autobiográficas ao escolher juntar a um alinhamento uma versão de Le Chat du café des Artistes, de Jean-Pierre Felrand.
Charlotte Gainsbourg
“IRM”

Because / Warner Music
4 / 5
Para ouvir: MySpace



A passagem de Laura Veirs pelo distinto catálogo da Nonesuch Records (da qual nasceram três discos entre 2004 e 2007) deu-lhe novas oportunidades, sobretudo no campo da comunicação com um público mais vasto, que a acolheu e a reconheceu como uma das grandes cantautoras norte-americanas do presente. July Flame devolve-a agora a uma vida “indie”. Mas o que conquistou consigo ficou, a atenção e expectativa dedicados à chegada do novo álbum sendo um primeiro reflexo do estatuto entretanto definido. O álbum traz contudo ecos de memórias mais antigas, escutando novamente ideias e sugestões para as novas canções no grande espaço da canção folk. Estamos todavia perante um reencontro com raízes que não esquece a soma de vivências que os anos lhe deram a conhecer e, logo no tema-título, fica clara que a cultura indie não foi arrumada na gaveta, antes assimilada e tornada ponto de partida, tal como as genéticas da folk, na construção do disco que assinala a entrada numa segunda década de edições para a cantora. Tal como o tema título revela, as canções de July Flame não são nunca feitas de uma só dimensão, o gosto pela criação de palcos para lançar as histórias que canta mostrando ideias que ora se deixam ficar, ao fim de tarde num alpendre na pradaria, ora se servem de texturas mais complexas, segundo formas colhidas na melhor tradição beatlesca.
Laura Veirs
“July Flame”

Bella Union / Nuevos Medios
4 / 5
Para ouvir: MySpace



Há artistas que, apesar de frequentemente assinarem canções que ficam na história dos grandes momentos pop do ano, se revelam depois menos ágeis na hora de construir um álbum no mesmo patamar das expectativas lançadas pelos singles. E, ao cabo de quatro álbuns, os Hot Chip parecem morar nessa categoria. Já estiveram perto do álbum consequente de fio a pavio em The Warning (2006). Dois anos depois, Made In The Dark não correspondeu ao que se esperava depois do excelente Ready For The Floor. E agora, depois de singles igualmente irresistíveis como o foram Take It In e One Life Stand, o novo álbum (também com o título One Life Stand) acaba outra vez algo atrás do esperado. Não pela falta de canções do calibre destas duas… De resto, algumas das melhores canções dos Hot Chip moram neste disco. Mas os valentes tiros ao lado, que surgem na forma de baladas e temas mid tempo, desinspirados, a meio do alinhamento, roubam ao disco argumentos para dele fazer o álbum capaz de superar os feitos de The Warning. Mesmo assim, os Hot Chip servem aqui um bem interessante conjunto de ideias que, nascidas de uma vivência na música de dança, revelam-se hoje claramente no terreno da canção pop. O alinhamento abre com o monumental Thieves In The Night, que visita uma ideia de pop electrónica à la Visage, e é rebuçado a figurar na lista das canções do ano. We have Love reencontra a euforia da dupla Moroder/Summer… Mas as baladas que lá andam pelo meio estragam mesmo o “todo” da pintura…
Hot Chip
“One Life Stand”

Astralwerks/EMI Music Portugal
3 / 5
Para ouvir: MySpace



Dois anos depois de Beat Pyramid, os These New Puritans optam por deixar definitivamente para trás um som pop/rock anguloso que por vezes piscava o olho à pista de dança indie para ensaiar um caminho mais estimulante dentro do espaço a que muitas vezes se aplica o rótulo “art rock”… Não abandonam nem a focagem dos seus objectivos na canção nem mesmo um interesse pelo trabalho com estruturas rítmicas (com eventual piscar de olho à dança), mas Hidden é, sobretudo, um espaço de abordagem a formas e sons menos óbvios, da sua reunião surgindo um álbum que, mesmo sem propor uma revolução ou revelar caminhos nunca antes percorridos, consegue transportar uma carga de surpresa que está longe de morar na maioria dos discos que vão surgindo por estes dias. O clima é sombrio e tenso, os cenários escuros… As canções expressam essa inquietude, recorrendo à presença de percussões japonesas, metais, sorpros e electrónicas, por vezes mais em flirt com terrenos da música contemporânea que com genéticas pop/rock, em busca não de exotismos, mas de peças para um cenário que aqui começam a edificar. Mais consequente que o conjunto de ideias que nos haviam mostrado no álbum de estreia, Hidden é como um retrato de uma etapa de busca. De uma banda à procura de uma identidade… Parecem estar no bom caminho…
These New Puritans
“Hidden”

Domino / Edel
3 / 5
Para ouvir: MySpace



Sem abdicar da necessidade de manter uma carreira criativa viva, lançando novas canções de tempos a tempos, Neil Young tem dedicado algum do seu tempo a uma interessante gestão de um acervo de longos anos de trabalho, os últimos anos tendo assistido à progressiva edição de material gravado noutros dias, até aqui guardados em arquivo. O seu “novo” disco não se compara naturalmente ao colossal volume 1 da série Archives (editado em 2009), uma colecção de dez CD com gravações entre 1963 e 72. Iniciada em 2006 com Live At The Filmore East, uma série de edições – a chamada Performance Series – tem garantido, com regularidade, a redescoberta de gravações de actuações ao vivo registadas nas mais diversas etapas da carreira do músico. O mais recente disco desta série é Dreamin’ Man Live ’92, corresponde ao quinto título a conhecer edição. O álbum não é mais que a reunião de temas do magnífico Harvest Moon (um dos seus melhores discos dos anos 90) gravados na estrada durante a digressão de 1992. Harvest Moon correspondera a um reencontro com Nashville (e as fundanções de uma relação antiga com ecos da folk e da country). As gravações ao vivo aqui reunidas, todas elas em registo acústico, são como que a continuação directa dessa experiência.
Neil Young
“Dreamin’ Man Live ‘92”

Reprise / Warner Music
3 / 5
Para saber mais: site oficial


Também esta semana:
Get Well Soon, Los Campesinos, Midlake, The Mary Onettes, Soft Pack, Album Leaf, Dakota Suite, Marina & The Diamonds, Ocean Colour Scene, Peter Von Poehl

Brevemente:
8 de Fevereiro: Pantha du Prince, Massive Attack, Sade, Yeasayer, Gil Scott Heron
16 de Fevereiro: Pet Shop Boys (CD + DVD), Peter Gabriel, Blur (DVD), Field Music, Lightspeed Champion, Buggles (reedição), Shearwater, Philip Glass (opera), The Drums EP (ed. Local)
23 de Fevereiro: Marina and The Diamonds, Joanna Newsom, Ali Farka Toure + Toumani Diabate, David Byrne + Fat Boy Slim, Toro Y Moi, Xiu Xiu, Efterklang,

Fevereiro: Ratatat, Kasper Bjorke, The Spinto Band
Março: Jonsi Birisson, Ruby Suns, Goldfrapp, White Stripes, Titus Andronicus, Jimi Hendrix, Nathalie Merchant, Rogue Wave, Black Rebel Motorcycle Club, Liars, Josh Rouse, Love Is All, She + Him, Broken Bells, Liars, Pavement (best of), White Stripes