Era, à partida, um desafio. Um grande desafio mesmo, o de filmar um livro quase… “infilmável”. Um dos melhores romances dos anos zero, A Estrada, de Cormac McCarthy, pode ser descrito como um livro sobre um mundo pós-apocalíptico. Mas, mais que isso, é um livro sobre o medo e a dúvida. E sobre o que nos faz continuar perante um sem-fim de adversidades, a energia motora para querer viver encontrada aqui na força maior que é o amor de um pai por um filho. No livro não sabemos onde estamos, quando estamos nem o que aconteceu. Apenas que, num mundo onde tudo mudou e quase tudo parece ter morrido, as regras de vida em sociedade desmoronaram e sombras de dúvida toldam o futuro, como as cinzentas nuvens de Inverno tapam o azul do céu, um pai caminha, com o filho, numa estrada, para Sul… Pela vida.
A adaptação ao grande ecrã de John Hillcoat é, contudo, uma absoluta desilusão. Se imaginarmos o livro como um prato de sashimi, o filme ao lado dele parece uma farta feijoada, de tanto que lhe acrescenta (sem necessidade). Em cena entram dispensáveis flashbacks que tentam justificar, às fatias, o que aconteceu, a mãe que desapareceu, as primeiras sequelas da catástrofe (porém, é certo, sem nunca a explicar). O filme transforma num desfile de acontecimentos um livro que vive mais de sensações e parcas e fragmentárias acções. O mundo pós-apocalíptico é visualmente bem moldado a uma ideia de desolação absoluta. Os diálogos tocam em alguns instantes-chave da narrativa original. Mas a força emocional que Cormac McCarthy desenha por palavras cede no ecrã a um quase banal desfile de sombras e desencantos…
Imagens do trailer de A Estrada.