quarta-feira, janeiro 13, 2010

Eric Rohmer: palavras e erotismo

Zouzou em O AMOR ÀS TRÊS DA TARDE (1972), de Eric Rohmer

Com a morte de Eric Rohmer [atenção ao dossier do Libération] desaparece um dos mais extraordinários estetas da palavra, das nuances da escrita e das ambivalências da fala — este texto foi publicado no Diário de Notícias (12 de Janeiro), com o título 'Elogio do erotismo da palavra'.

Miséria dos nossos tempos cor de rosa e telenovelescos: a palavra (escrita e falada) vai desfalecendo na mediocridade estética e no mais obsceno vazio existencial. Balzac? Já não se lembra quem foi Balzac?, perguntava uma personagem de um filme de Jean-Luc Godard. Hoje em dia, muitos dos que esqueceram julgam também que a literatura é uma coisa do tamanho do visor do seu telemóvel.
Eric Rohmer, tal como os seus compagnons de route da Nova Vaga, foi um cineasta apegado às convulsões da palavra. Por amor e disciplina. Escrevendo para cinema ou escrevendo sobre cinema (são dele algumas das mais belas páginas críticas sobre Roberto Rossellini). Nas suas histórias, contemporâneas ou ditas “de época” (lembremos o notável Perceval le Gallois, segundo Chrétien de Troyes), os diálogos emergem como os mais belos efeitos especiais. Se as palavras abundam nos seus filmes, não é porque haja escassez de acção. Bem pelo contrário: as palavras são o registo mais vertiginoso da acção, expondo-nos as ambivalências da verdade e da mentira, do desejo e da morte. Daí também o peculiar erotismo dos seus filmes: cada um fala como quem imagina os gestos de um corpo imaculado.