domingo, janeiro 17, 2010

Em conversa: Tiago Sousa (2/4)

Foto: Vera Marmelo


Continuamos hoje a publicação integral de uma entrevista com Tiago Sousa, que serviu de base ao artigo “A música como forma de dizer aos outros quem é Tiago Sousa” publicado no DN a 14 de Dezembro, apresentando o álbum Insónia. Esta entrevista será aqui apresentada ao longo dos próximos domingos.

O que representam para si os seus discos?
São processos. E aprecio mostrar esse processo de forma crua, de forma natural. Sem grandes artefactos. E acho que isso falta um bocado hoje em dia em toda a indústria da música em particular e do espectáculo de forma geral, que é esse lado de nos descobrirmos a nós mesmos. Há muito artefacto na forma de produção dos discos ou de apresentação da música ao vivo. Tento eliminar isso ao máximo. Neste disco há só mesmo o som do piano, o som da bateria, tudo captado o mais simples possível...

Porque optou por lançar este disco em vinil e não em CD?
O vinil era o formato que parecia fazer mais sentido. Até porque o desenho pedia uma capa grande. A favor do vinil há o facto de haver uma abordagem muito quente, mais física ao som. E isso pareceu-me mais apropriado ao som do disco. É um disco muito orgânico, praticamente não existem instrumentos eléctricos além do orgão que utilizo. O desenho era também uma coisa que precisava de ficar em grande. O CD limitaria isso. Hoje em dia as pessoas podem ouvir música de muitas formas e nesse sentido licenciei esta música para que pudesse ser livre no seu espaço etéreo. Mas no que concerne ao seu limite físico optei por um formato que pudesse ser uma mais valia. As pessoas que quiserem ter o vinil é por ter o objecto em si. A música está por aí. Pode ser ouvida num concerto, está no MySpace...

Como editor não viveu esta redescoberta do vinil…
Editámos [na Merzbau] em CD alguns discos em edição limitada, mas era essencialmente em MP3... Sobretudo em MP3... Esta é a primeira vez que edito em vinil.

E foi fácil?
O disco sai uma editora recente. Chama-se Humming Conch. É de Berlim... Hoje em dia acho que para um músico se submeter às regras de uma editora tem de ter um bom motivo para o fazer. Com os meios que existem à nossa disposição, com a Internet, com a facilidade de comunicação que existe entre as pessoas, é fácil ter um disco... Podemos ir directamente aos canais de distribuição. A relação com a editora surge através de um outro disco que tinha editado numa netlabel, a Westing Bell. O editor é o mesmo que fundou esta editora para fazer formatos físicos. É como um upgrade... Recentemente surgiu a oportunidade de ir a Berlim para fazer um concerto. Fiquei em casa dele e surgiu uma empatia. E quando lhe mostrei o disco, adorou...

Este disco está mais próximo de um som que não é o mais frequente de se tocar nos locais onde se tem apresentado... Está a chegar a um público que não é exactamente o da música clássica. Como se relaciona então com os vários universos de públicos...
O percurso é peculiar. Os públicos?... Haverá público da música erudita que poderá achar piada ao que faço... Mas haverá quem a possa achar uma música banal. De alguma forma não cumpre os cânones da música erudita... São questões muito complexas no fundo... Conseguimos rever-nos na música que ouvimos e nos livros que lemos e a partir daí construímos os nossos padrões de beleza. Não faço ideia que pessoas vão ouvir este disco. Já ouvi reacções de pessoas mais ligadas ao jazz ou ao rock, que vão vagueando um pouco por estes universos. Da música erudita ainda não ouvi reacções. Mas acho que dificilmente irei ter uma reacção positiva, além da minha avó, mas ela é suspeita...

(continua na próxima semana)