Iniciamos hoje a publicação integral de uma entrevista com Tiago Sousa, que serviu de base ao artigo “A música como forma de dizer aos outros quem é Tiago Sousa” publicado no DN a 14 de Dezembro, apresentando o álbum Insónia. Esta entrevista será aqui apresentada ao longo dos próximos domingos.
Este seu novo disco cruza várias memórias de vivências musicais. Definindo, de certa forma, um percurso. De que percurso fala então? E até onde podemos recuar?...
A minha avó é professora de piano e desde tenra idade sempre incentivou familiares a tocar. Netos e filhos... Apesar disso não teve sucesso com nenhum a não ser comigo. Tocávamos em audições que ela fazia todos os anos. Mas mais tarde acabei por me divorciar do piano. Ela tinha uma maneira de ensinar muito livre. Nunca foi uma educação muito rígida do instrumento em si e da música erudita numa forma generalista. Daí que o meu percurso acabe de ser acidental um pouco por causa disso. Depois do piano acabei por me virar mais para a guitarra e para o rock e todos aqueles fenómenos que na adolescência acabam sempre por marcar. Fui descobrindo outras coisas. Cheguei a participar nalgumas bandas,. Fundei a [editora] Merzbau. E cheguei a estar durante dois anos numa escola de jazz. Chegou uma altura em que, acidentalmente, ouvi uma cassete com uma audição que tinha feito e miúdo. E senti que era uma parvoíce estar a desaproveitar aquilo que tinha como potencial e acabei assim a voltar ao instrumento [piano]. Isto foi numa fase de uma certa crise de identidade. Estava à procura do que poderia ser enquanto criador musica, qual seria o prisma que ia adoptar. Até porque, se formos a ver, o rock hoje em dia acaba por ser um género um pouco esgotado.
Concorda que o mais interessante da música no nosso tempo reside antes nas várias periferias dos mais variados géneros?
Sem dúvida. E nessa busca por música, que acaba por não ser uma coisa muito consciente, mas nós vamos progredindo, achei que o piano tinha um significado, e que fazia sentido regressar a ele. E até descobrir como é que podia expressar-me através daquele instrumento.
Quais foram as primeiras peças para piano que mais o marcaram?
Existem coisas que tinha no meu subconsciente e que mais tarde consegui juntar a música com os seus autores. São coisas que a minha avó aprecia bastante e que por isso acabámos todos por ouvir. Chopin, Debussy, também Ravel... Ela sempre adorou Chopin e dava a sua música aos seus alunos. Também algum Beethoven e Mozart. Mas quando comecei a redescobrir esta música estes últimos deixei-os um pouco de parte. Não me incentivaram tanto. Interessa-me muito o que os impressionistas fizeram, a sua forma de desconstrução da melodia...
Esse interesse específico, mais dirigido, terá a ver com as sugestões que pelo caminho possa ter assimilando através de um contacto com a cultura rock?
Provavelmente terá a ver com isso. Com essa busca de uma sonoridade não tão compartimentada, não tão classificável de uma forma tão estreita. E existe outro compositor basilar neste regresso ao piano que é o Eric Satie. No sentido em que ele me mostrou que era possível fazer coisas de uma simplicidade bastante grande mas ao mesmo tempo bonitas e sofisticadas. Deu-me uma sensação de que poderia fazer isto... Essas peças foram as primeiras que abordei quando recomecei a estudar. Foi um renegado da época dele e isso acabou também por inspirar-me, Não é só a música mas também o músico.
O rock descobre-se num processo mais autodidacta. Entre os amigos, entre vivências... A descoberta da música, com a avó, deu-lhe, por um lado, uma primeira etapa de descoberta da música algo diferente. A sua passagem pelo rock ganhou (ou perdeu) alguma coisa com essa outra vivência anterior?
Foi fundamental no meu processo de crescimento. Provavelmente seria um virtuoso do piano se não me tivesse desencaminhado de alguma forma com essa vivência que tive. Mas faz parte do meu percurso. Não há uma explicação que possa dar porque nem tudo foi premeditado. Só mais tarde é que conseguimos ver o que estas coisas nos fizeram... E como nos tornaram no que somos hoje em dia... Quando falo de rock falo da sua face mais marginal. Comecei a ouvir coisas dos anos 80 como os Sonic Youth e a partir daí... A no wave, a música mais experimentar até alguma coisa próxima do free jazz. Não do rock mainstream. Sem dúvida que também me forma. A minha música mantém esse carácter autodidacta, da descoberta por si mesmo, da tentativa e erro, E de assumir que os discos que fiz até hoje estão longe de serem brilhantes...
(continua na próxima semana)