quinta-feira, janeiro 14, 2010

Discos da semana 2010 (1)

Têm sido em vários meios apontados como uma das grandes esperanças para 2010. E partindo dos singles que nos deram como cartão de visita em 2009, a expectativa até se justifica. Chamam-se Delphic, são um trio, chegam de Manchester e apresentam agora em Acolyte o álbum que em tudo confirma o que deles se esperava. Ao que parece não sofrem ataques de comichão quando alguém levanta a ideia de familiaridade com o som dos New Order (nomeadamente nos álbuns e singles de inícios e meados de 80). Sendo de Manchester, é vibração que lhes corre naturalmente na alma… Mas a presença de heranças dos New Order não é característica única (nem mesmo esmagadora) nas canções de Acolyte. Firme colecção de dez temas de pop requintada, talhada a electrónicas, o disco mostra a afirmação de uma personalidade que não encontrou a necessidade de piscar o olho aos Hot Chip, Simian Mobile Disco ou LCD Soundsystem para cativar atenções e afirmar contemporaneidade. Acolhe antes uma forma de estar entre a canção pop e espaços com evidente ligação à música de dança ao jeito de uns Beloved, o sentido melodista mais clássico que escutamos nuns Pet Shop Boys (porém sem o encanto disco característico da dupla Tennant/Lowe), e ainda escuta referências nos registos de sons e mesmo de construção de uns Orbital (visível ora na estrutura de Acolyte, o tema-título, ora em registos de teclados nas texturas de Halcyon) e demais ensaístas das electrónicas com gosto pela exploração do espaço e pela sugestão de ambientes, e não apenas de uma rede rítmica de suporte à música. Há um discreto apelo gourmet entre a pop, aqui se revela. E que se descobre e saboreia aos poucos…
Delphic
“Acolyte”
Coop / Nuevos Medios
4 / 5
Para ouvir: MySpace


Há uns anos muitos poderão ter ficado surpreendidos ao ver o disco de remisturas de composições de Philip Glass ser invadido por uma multidão de ilustres desconhecidos com passaporte latino-americano. Músicos que acolheram os ensinamentos dos mestres do minimalismo, que assimilaram numa música feita de electrónicas, visões de espaço e módulos repetitivos que ali ganhavam pólo de exposição… Na verdade, da América latina têm surgido, ao longo dos anos, uma série de interessantes criadores ligados à música electrónica, entre vários correndo este mesmo naipe de interesses, por todos passando também uma vontade em não fechar a sua música num tubo de ensaio de um só género promovendo, um pouco como é característica das culturas musicais latino-americanas,o desafio do cruzamento de ideias. Ricardo Villalobos, Murcof, Amon Tobin, são alguns entre os nomes de uma vasta família de músicos, cada qual juntando a uma medula comum traços de personalidade muito próprios. Oriundo do Chile, mas com vida profissional primeiro transferida para Colónia (na Alemanha) e hoje alternando entre Buenos Aires e Paris, Matias Aguayo apresentou no seu mais recente álbum, Ay Ay Ay uma das mais interessantes manifestações de vitalidade do techno, precisamente ao juntar a uma matriz feita de electrónicas e estruturas modulares, a alma, as vozes e as dinâmicas de ecos de culturas populares que sugerem ecos do seu berço. Tribalismo depurado e estilizado, sem dúvida, mas que acrescenta um outro sentido de verdade (porque lhe sai naturalmente do código genético do ambiente em que cresceu) a uma música que assim ganha novas visões e sentidos e nos dá um dos discos mais surpreendentes dos últimos tempos. Na verdade, o pólo oposto da incursão pelo exotismo latino-americano do alemão Uwe Schmidt (também conhecido como Atom Heart), quando vestiu a pele de Señor Coconut.
Matias Aguayo
“Ay Ay Ay”
Kompakt / Flur
4 / 5
Para saber mais: site da editora


Aos mais de dez anos de vida, a dupla belga Vive La Fête mantém firme a mesma vontade em trabalhar uma ideia feita de pop electrónica com gosto pela dança e angulosidade evidente com que entrou discograficamente em cena em finais dos noventas e inícios dos anos zero. Porém vão já longe os dias da surpresa de Republique Populaire (2001) ou os tempos de entusiasmo mais generalizado que chegou por alturas de Grand Prix (2006) pelo que, muitas vezes não parecendo querer muito para lá do “mais-do-mesmo”, a luz que antes em volta de si brilhava foi gradualmente perdendo intensidade. Disque d’Or, editado em finais de 2009 não traz um golpe de rins que mude o destino dos acontecimentos. Mas, entre uma colecção de canções, na linha “clássica” do som electro desde sempre no tutano do duo, surgem algumas boas surpresas, nomeadamente na forma de evocações de heranças pop francófonas de 60 (em Mira ou Elle N’Ecoute Pas) assim como um bem açucarado instante de alma europop (à la meados de 80) em Courtois. Não faltam ecos da pop francesa de 80 (Je Ne Pourrai Pas e Amour Physique). Nem o valente foi de azeite em Everybody Hates Me. Pas mal
Vive La Fête
“Disque d’Or”

Firme de Musique / Compact Records
3 / 5
Para ouvir: site oficial


Em meados e finais de 70, em pleno tempo de revolução punk na cidade de Nova Iorque, Martin Rev foi (juntamente com Alan Vega), um diferente entre os diferentes, afirmando através dos Suicide uma importante manifestação de pioneirismo na criação de uma nova relação com a canção com as emergentes electrónicas como ferramenta de trabalho. A solo Martin Rev criou uma carreira em paralelo desde inícios de 80. O seu mais recente álbum, editado na recta final de 2009 (e ainda sem distribuição nacional) é mais um exemplo dessa demanda, seguindo um caminho algo semelhante ao de um Lil’Beethoven dos Sparks (porém sem a mesma carga nutritiva), ensaiando terrenos que revelam uma admiração pelo trabalho de alguns compositores do nosso tempo, nomeadamente os minimalistas norte-americanos. As 14 composições de Stigmata revelam visões de dimensão sinfonista e um interesse pela exploração de espaços e uma agenda temática assombrada. Usando como ferramentas teclados, a música ganha um sabor raro que traduz uma proximidade com vivências pop/rock… Porém, com uma orquestra ao seu serviço, algumas destas ideias poderiam ter ido mais longe…
Martin Rev
“Stigmata”

Blastfirtspetite
3 / 5
Para saber mais: site oficial


Apresenta-se como Lawrence Arabia, nas no seu passaporte o nome que se lê é o de James Milne. É neo-zelandês, integrou o colectivo The Brunettes, colaborou com os Ruby Suns, já tocou na estrada como baixista para os Okkervil River e fez uma digressão com Feist… Em 2006 apresentou-se com um primeiro álbum de originais, o segundo, Chant Darling, chegando em inícios de 2010 aos escaparates nacionais. Ouvindo o que nos diz, na verdade, não acrescenta muito mais ao que tantas outras canções já nos cantaram. Através do alter-ego Lawrence Arabia, James Milne dá contudo largas a uma relação vitaminada (e aparentemente bem oleada) com ecos de heranças da pop de 60. Apoiado em diálogos com guitarras que procuram a luz ao fundo do túnel, e em todo um conjunto de soluções melodistas que traduzem uma vivência com essas memórias pop, James Milne toma o papel de um narrador que nos conduz por pequenos momentos que sugerem uma inesperada familiaridade e bem estar. As canções revelam ainda um interesse pelo trabalho de arranjos, à voz e guitarras juntando-se por vezes verdadeiros festins de acontecimentos. Não alcança a luminosidade (de alma melancónica) de uns The Shins… Mas é nome a descobrir.
Lawrence Arabia
“Chant Darling”

Bela Union
3 / 5
Para ouvir: MySpace


Também esta semana:
Adam Green, Grant Lee Phillips, OK GO, Django Reindhart

Brevemente:
18 de Janeiro: Owen Pallett, Eels, William Orbit, Nitzer Ebb (best of e caixa), Anne Sofie Von Otter, Peter Von Poehl, Cold War Kids
25 de Janeiro: Beach House, David Bowie (live), Lindstrom + Christabelle, Magnetic Fields, Laura Veirs, Charlotte Gainsbourg, Kanye West (Storytellers), RJD2, Spoon, Tindersticks, Georgie Fame (best of), Four Tet
1 de Fevereiro: Hot Chip, Get Well Soon, Los Campesinos, Midlake, The Mary Onettes, Soft Pack, Lightspeed Champion, Album Leaf, Dakota Suite, Marina & The Diamonds, Ocean Colour Scene

Fevereiro: David Byrne, Pantha du Prince, Shearwater, Ratatat, Peter Gabriel, Sade, Kasper Bjorke, Field Music, The Spinto Band, Yeasayer, XiuXiu, Efterklang
Março: Jonsi Birisson, Ruby Suns, Goldfrapp, White Stripes, Titus Andronicus, Jimi Hendrix, Nathalie Merchant, Rogue Wave, Black Rebel Motorcycle Club, Liars, Josh Rouse, Love Is All, She + Him