quarta-feira, dezembro 02, 2009

Quando um concerto é uma festa

N.G.: Uma festa. Literalmente uma festa, com o maestro Gustavo Dudamel a ter de justificar, por gestos, ao cabo de três encores e mais de duas horas de concerto, que era chegada a hora de jantar… e de dormir. A estreia em público da recém-criada Orquestra Juvenil Ibero-Americana ficou já registada entre os grandes momentos musicais do ano. E quem lá estava não a vai esquecer!
A primeira parte viveu (depois de um hino nacional com dimensão sinfónica) da luminosidade latina da espantosa Margariteña, do venezuelano Inocente Carreño (n. 1919) – que Dudamel gravou, com a Simón Bolívar em Fiesta – e dos tons vivos de O Chapéu de Três Bicos, do espanhol Manuel de Falla (1876-1946). A orquestra falava como um corpo espantosamente coeso (nem parecia coisa estreante), respirando ao compasso dos gestos dançados de Dudamel, o maestro sempre sorridente e expressivo no contacto com os músicos. Ao intervalo a sala levantava-se em pé, com uma primeira ovação longa e entusiasmada que parecia final de concerto triunfal.
A 5ª Sinfonia de Tchaikovsky (1840-1893) - que corresponde à mais recente obra gravada por Dudamel com a orquestra juvenil venezuelana que o revelou ao mundo - ocupou a segunda parte, juntando à energia (impressionante no quarto andamento) uma capacidade em vincar a passagem por climas distintos. A entrega dos músicos é total nas mãos de um maestro que, sem deixar de vincar que nele que mora a direcção, sabe partilhar os momentos de facto vividos em comunhão.
Durante os encores a sala do Grande Auditório da Gulbenkian transformou-se numa verdadeira festa latina (a que não podia falhar o já habitual Mambo de West Side Story, de Leonard Bernstein). A folia tomou conta da orquestra, a plateia juntando-se logo depois. E se os músicos se levantavam para dançar, o público respondia na mesma moeda, Dudamel acabando mesmo a dirigir as palmas da plateia. Festa, de facto.

J.L.: Em termos informativos e simbólicos, foi importante que o concerto da Gulbenkian tivesse começado com uma pequena apresentação do sistema venezuelano — El Sistema — de educação musical (estando presente o seu fundador, José Antonio Abreu). De facto, importa perceber que o carácter excepcional de Gustavo Dudamel nasce de um sistema de regras que promove uma relação com a música que está muito para além da aprendizagem meramente técnica. Dito de outro modo: aqui, as noções de comunhão e solidarieade não são palavras vãs, imbuindo todos os detalhes, dos mais graves aos mais... dançados, que uma performance pode envolver. E talvez seja essa a lição modelar de Dudamel: a de que a música não é uma "transcrição", mas sim uma permanente hipótese de renascimento. Nem que para isso seja preciso desafiar todos os puristas. Aliás, precisamente por causa disso.