quarta-feira, dezembro 16, 2009

O mundo de Arthur Russell

Redescoberto por duas antologias editadas em 2004, Arthur Russell é hoje reconhecido como nunca o fora em vida, a sua obra revelando um percurso ímpar com pólos (comunicantes) entre uma vivência mais próxima da música de vanguarda e uma demanda, que tomou protagonismo no seu trabalho a partir de finais dos anos 70, em volta do disco. Vários discos seus têm conhecido reedição nestes últimos cinco anos, o mercado das novas edições tendo também acolhido vários lançamentos com inéditos. Recentemente foi produzido Wild Combination: A Portrait Of Arthur Russell, documentário de Matt Wolf que deu a todas estas músicas um fio narrativo. Agora, mais completo ainda, um olhar biográfico surge em livro. E é claramente uma das grandes edições sobre música entre as que surgiram em 2009.

Tem por título Hold On To Your Dreams e é assinado por Tim Lawrence. São 414 páginas nas quais se apresenta o mais profundo olhar até aqui redigido sobre um músico que hoje reconhecemos ser um dos nomes mais representativos da cultura downtown nova iorquina, sobretudo nos anos 70. O livro parte precisamente dessa consciência para, mais que um olhar meramente biográfico, nos propor antes a história da relação de um jovem nascido no Iowa com toda uma nova cultura que descobre, primeiro numa relação com o budismo na Califórnia, mais tarde com a música e artes de vanguarda numa Nova Iorque que via então florescer nomes como os de Steve Reich ou Philip Glass… Este último, admirador e amigo de Arthur Russell (tendo em épocas distintas lançado dois discos dele em editoras suas), é um entre os muitos nomes que o autor entrevista, entre as suas palavras traçando-se o retrato do músico e o da cidade em que a sua obra ganhava forma e se transformava.
Em Hold On To Your Dreams acompanhamos o relacionamento de profunda amizade que Russel manteve com Allen Ginsberg (viveram no mesmo prédio na rua 12), a vivência no The Kitchen (espaço-chave da música da cena vanguardista nova-iorquina, que teve a dada altura Arthur Russell como director artístico), a descoberta da club scene (com passagens pelos míticos Paradise Garage e Loft), os estúdios de gravação, os relacionamentos nem sempre fáceis com editores… A inquietude criativa de Russell, a demanda por um perfeccionismo que o assombrava, o interesse pela exploração da canção, um desejo (nunca realmente conquistado) pelo sucesso, são ideias que passam por um texto claro, informado e agradavelmente directo.