Tem um sorriso maroto, que tanto dirige à plateia quando promete “só mais um” encore em final de concerto, como lança aos músicos durante a performance. De batuta na mão, quase dança, a música agindo sobre o seu corpo, transformando-o em parte do todo que é a orquestra. E um dos segredos de Dudamel parece ser mesmo esse: o de se diluir na orquestra, ser um entre todos, partilhar o acontecimento, repartir a festa... Mas deixando claro que é nos seus dedos que segue a clara condução do que estamos a ouvir.
Gustavo Dudamel é um dos maestros de quem mais se falou no último ano. Em 2008 o álbum Fiesta, que gravou frente à Orquestra Juvenil Simón Bolívar foi um dos acontecimentos discográficos do ano. Em palco, em concertos frequentemente transformados em entusiasmo mais próximo do que se costuma ver no terreno das estrelas da pop que nas salas de concerto de música clássica, foi somando triunfos (e admiradores). Em Outubro, com apenas 28 anos, somou a um currículo já bem nutrido, o posto de director artístico da Filarmónica de Los Angeles . E há dias passou por Lisboa para os primeiros passos públicos de uma nova orquestra baseada no modelo do ‘el sistema’ que o viu nascer para a música. E, uma vez mais, fez a festa.
Natural de Baquismeto (Venezuela), onde nasceu em 1981, Gustavo é filho de um trombonista. Começou a estudar música muito cedo, optando pelo violino. “E era um miúdo de 12 anos quando me põem a dirigir pela primeira vez... E aos 16 estava à frente de uma grande orquestra”, recordou por ocasião desta segunda passagem por Lisboa num mesmo ano em que já assinalara uma noite de triunfo no Coliseu dos Recreios (dessa vez com a Simón Bolívar, a mesma orquestra nacional que logo tão jovem o viu como maestro). Foi com a Simón Bolívar que ganhou notoriedade e, depois, já a meio dos anos zero, convites para dirigir pontualmente outras grandes orquestras. A editora Deutsche Grammophon assinou um contrato. E os discos e DVDs têm-se sucedido a um ritmo impressionante desde então.
Aos 28 anos de idade vai no seu décimo primeiro ano à frente da Simón Bolivar. Desde 2007 é director artístico da Sinfónica de Gotenburgo (Suécia). E a 8 de Outubro juntou a estas a direcção da Filarmónica de Los Angeles. “Cada orquestra tem um som próprio, um nível e, por isso, merece um tratamento distinto”, disse em Lisboa em resposta a uma questão colocada pelo DN. Fez contudo questão de sublinhar que o trabalho não é apenas seu, mas de toda a orquestra. “Sou trabalhador, e sou muito exigente”, acrescentou. Quando encontra uma nova orquestra pela frente procura “romper a rotina que é o ter de tocar todos os dias”. E junto dos músicos tenta “ir buscar aquele espírito que faça sentir que bom que é estar aqui a fazer música!” No fundo, conclui, mais não faz que “ir buscar a energia que os músicos neles têm escondida”.
As actuações de Dudamel são conhecidas precisamente pela expressão dessa mesma energia. Uma energia que explora de forma mais física sobretudo com a orquestra Simón Bolívar, que literalmente leva a dançar e a fazer a festa em encores, onde muitas vezes apresenta verdadeiros festins de música latino-americana, entre os quais o irresistível Mambo (uma das danças sinfónicas de West Side Story), de Leonard Bernstein. Já lhe aconteceu, como confessa no booklet do disco que recentemente dedicou a Tchaikovsky, que houve quem, também em finais de programa, lhe tenha pedido pelo quarto andamento da 5ª Sinfonia do compositor russo, “como se fosse num concerto pop, com o público a pedir as suas músicas preferidas”.
Depois de Lisboa e Madrid, para com ele dar os primeiros passos a nova orquestra juvenil Ibero-Americana, Dudamel tem intenso ano pela frente. Em inícios de Janeiro estará em Caracas (Venezuela), com a Simón Bolivar. Depois tem uma digressão com a Sinfónica de Gotenburgo. Em Abril dirige Bernstein (de quem cada vez mais parece ser um grande herdeiro)_com a Filarmónica de Los Angeles. “Se o tempo o permitir”, disse em Lisboa, estará disponível para trabalho futuro com a orquestra que esta semana ajudou a nascer.
A estreia em Los Angeles em DVD
A noite da estreia de Dudamel como director artístico da Filarmónica de Los Angeles, a 8 de Outubro deste ano, num Walt Disney Concert Hall de lotação esgotada, foi registada em áudio e vídeo. E já chegou ao DVD. The Inaugural Concert, apresenta o registo integral, com pouco mais de 90 minutos, de um programa que terminou com a Sinfonia Nº1 de Mahler, abrindo com a estreia mundial de City Noir, obra de John Adams expressamente composta para assinalar esta ocasião. O entendimento entre o maestro e compositor é visível no momento em que John Adams sobre a palco, depois da estreia desta sua nova obra (que evoca a Los Angeles dos anos 40) para agradecer os aplausos. Segue-se uma vibrante leitura da primeira sinfonia de Mahler. Como extra, o documentário Bienvenido Gustavo mostra ao entusiasmo com que a orquestra acolheu a chegada do seu novo maestro.