O futebol faz-se de equilíbrios instáveis de espontaneidade e racionalismo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (30 de Outubro), com o título 'O alfabeto do corpo'.
Por que é que Fernando Torres chucha no dedo? Espero que me compreendam: não estou a tentar colocar uma daquelas perguntas tácticas (?) de alguns comentadores que, cada vez que um jogador tropeça na relva, conseguem explicar-nos que a equipa mudou por completo o seu figurino de jogo... Seja como for, nos seus juvenis 25 anos, não parece que Torres esteja com problemas psicanalíticos de identidade. O gesto, na sua desconcertante espontaneidade, com o olhar muito incisivo e a mão direita a apontar para algo ou alguém, parece ser também rigorosamente racional. Apetece construir toda uma pequena ficção futebolística e deduzir que Torres comunica com o seu angustiado treinador, Rafa Benitez, lembrando-lhe que o Manchester United já está dominado (o Liverpool ganharia por 2-0) e que, agora, vai ser cada vez mais saboroso...
Mas o que conta é a expressão de serena fruição. Num desporto tantas vezes vivido através de formas extremas de violência (verbal ou física), Torres faz jus ao seu cognome de “El Niño”: aqui temos um atleta profissional, dos mais talentosos na sua área, que celebra a pura alegria do golo como algo que não se vira contra o adversário, antes permanece no alfabeto do seu corpo, num momento de desculpável narcisismo. Será preciso acrescentar que o golo foi tão extraordinário que deixou alguns espectadores a... chuchar no dedo?
Por que é que Fernando Torres chucha no dedo? Espero que me compreendam: não estou a tentar colocar uma daquelas perguntas tácticas (?) de alguns comentadores que, cada vez que um jogador tropeça na relva, conseguem explicar-nos que a equipa mudou por completo o seu figurino de jogo... Seja como for, nos seus juvenis 25 anos, não parece que Torres esteja com problemas psicanalíticos de identidade. O gesto, na sua desconcertante espontaneidade, com o olhar muito incisivo e a mão direita a apontar para algo ou alguém, parece ser também rigorosamente racional. Apetece construir toda uma pequena ficção futebolística e deduzir que Torres comunica com o seu angustiado treinador, Rafa Benitez, lembrando-lhe que o Manchester United já está dominado (o Liverpool ganharia por 2-0) e que, agora, vai ser cada vez mais saboroso...
Mas o que conta é a expressão de serena fruição. Num desporto tantas vezes vivido através de formas extremas de violência (verbal ou física), Torres faz jus ao seu cognome de “El Niño”: aqui temos um atleta profissional, dos mais talentosos na sua área, que celebra a pura alegria do golo como algo que não se vira contra o adversário, antes permanece no alfabeto do seu corpo, num momento de desculpável narcisismo. Será preciso acrescentar que o golo foi tão extraordinário que deixou alguns espectadores a... chuchar no dedo?