sábado, novembro 07, 2009

Entrevistas rápidas... Que entrevistas?

As "entrevistas rápidas" do futebol continuam a ser um triste exemplo do pior que há na televisão — este texto foi publicado no Diário de Notícias (6 de Novembro), com o título 'Um jogo que "correu mal"'.

Por vezes, circunstâncias acidentais adquirem um inesperado valor cognitivo. Aconteceu-me na passada sexta-feira [30 de Outubro], ao ouvir as chamadas “entrevistas rápidas”, na RTP1, no final do F.C. Porto-Belenenses. De facto, apenas as ouvi (através do som que a Antena 1 reproduziu). Talvez por isso, chocou-me ainda mais deparar com um repetido exemplo da ligeireza de muitas “reportagens” sobre futebol.
Assim, com o portista Ernesto Farías, o repórter quis desde logo saber o que é que tinha “corrido mal”. Semelhante formulação decorre de uma ideologia desportiva (?) que apenas reconhece dimensão informativa aos chamados grandes. Pior que isso: não interessa atentar nas singularidades de cada jogo, uma vez que se parte do pressuposto determinista segundo o qual sempre que os grandes não ganham os jogos (este acabou empatado), algo “correu mal”. Escusado será dizer que esta visão preconceituosa favorece um militante menosprezo pelos “pequenos”.
Pouco depois, Jesualdo Ferreira [foto] viu-se condenado a falar como se estivesse face a uma parede... O treinador do Porto deu conta dos seus pontos de vista sobre as incidências do jogo. E fê-lo com invulgar serenidade: embora demonstrando alguma frustração pelo resultado, fez passar a mensagem de que o futebol não é um palco de certezas e que, afinal de contas, um jogo é apenas um jogo. Perante tão transparentes explicações, que fez o repórter? Perguntou-lhe: “Como é que explica este resultado?”.
O problema, entenda-se, não tem a ver com o repórter A, B ou C, mas sim com o facto de haver toda uma geração de profissionais do jornalismo que foram educados para este comportamento conflituoso e simplista. Porquê conflituoso? Porque apenas utiliza o interlocutor como alguém que deve ser “picado” para dizer qualquer coisa de drástico ou bélico. Porquê simplista? Porque, na prática, muitos repórteres perderam a mais básica virtude humana, inerente ao seu próprio trabalho: escutar, saber escutar. Daí esta obscenidade ontológica em que nos querem fazer viver: da política ao futebol, é preciso encontrar conflitos; quando não os houver, o melhor será tentar provocá-los.