Pequeno exercício de pedagogia visual: as imagens não existem para lhes ser atribuído "um" sentido — só jornalistas de telejornais acreditam em tal simplismo. Nenhum sentido é único, muito menos unívoco, porque vivemos em permanente labor de significação (Roland Barthes, em O Prazer do Texto, evocava a significância, escrevendo: "O que á a significância? É o sentido na medida em que é produzido sensualmente.").
São vias possíveis para saborearmos estas duas imagens. De que nos falam elas? Em boa verdade, do tempo — é o tempo que as separa, fazendo-as coexistir.
A fotografia de cima, assinada por Pier Paolo Ferrari, integra um espantoso portfolio criado pelo artista italiano Maurizio Cattelan e publicado na secção de moda da revista W (Novembro 2009): Linda Evangelista é a figura humana de um conjunto de fotografias em que a simbologia religiosa ecoa como uma espécie de assombrado look.
A segunda imagem é um fotograma de um filme lendário (e histórico) que, para a história (e para a lenda), ficou como um dos objectos premonitórios de Maio 68: La Chinoise (1967), de Jean-Luc Godard, retrato íntimo das angústias e ironias do maoísmo estudan-til, afinal uma viagem quase burlesca pela ideia de revolução.
Nestes tempos em que proliferam os inimigos da escrita, importa não secundarizar a luminosa evidência em que os olhares de Cattelan e Godard se cruzam: integrar as palavras escritas como elemento iconográfico é uma forma directa de celebrar a sua irredutibilidade. Directa, quer dizer, directamente política.
Linda Evangelista
Foto de Pier Paolo Ferrari / Portfolio de Maurizio Cattelan (W, Novembro 2009)