O menos que se poderá dizer do concerto de sexta-feira (dia 23, 19h00) no Grande Auditório da Fundação Gulbenkian é que houve nele um cruzamento de romantismo e ousadia formal que se ficou a dever, por certo, aos autores escolhidos — Sergei Prokofiev, Richard Strauss e Modest Mussorgsky —, mas também à peculiar energia com que o maestro Michael Boder [foto] soube dirigir a Orquestra Gulbenkian.
A primeira parte pertenceu, por assim dizer, aos solistas: o pianista Pedro Gomes, talento invulgarmente jovem (nasceu em 1991), enfrentou as dificuldades inerentes ao Concerto para Piano e Orquestra Nº 1, em Ré bemol maior, op.10, de Prokofiev, com uma demonstração de virtuosismo que, no entanto, nunca se sobrepôs às exigências da própria pauta, devolvendo-nos a avassaladora alegria de uma obra, também ela, da mais pura juventude (composta por Prokofiev aos 20 anos). Depois, o soprano Anja Kampe interpretou com imaculada precisão alguns belíssimos exemplos dos lieder de Strauss, incluindo Freundliche Vision, Wiegenlied e Cäcilie.
A orquestra regressou para uma deambulação através da obra de Mussorgsky [imagem], primeiro com o prelúdio da ópera Kovanshchina, seguindo-se Quadros de uma Exposição (na versão de Maurice Ravel). Com uma admirável delicadeza de contrastes, misturando gravidade e ironia, Michael Boder levou-nos a redescobrir uma escrita eminentemente narrativa, no sentido em que remete, não apenas para uma "visualização", mas, por assim dizer, para uma ideia de colagem do fraseado às imagens e às suas múltiplas evocações e invocações. Nesta perspectiva, com os solistas da primeira parte, e a apoteose da segunda, foi um concerto de saboroso "tradicionalismo", também ele fiel a uma dramaturgia impecavelmente controlada.
A orquestra regressou para uma deambulação através da obra de Mussorgsky [imagem], primeiro com o prelúdio da ópera Kovanshchina, seguindo-se Quadros de uma Exposição (na versão de Maurice Ravel). Com uma admirável delicadeza de contrastes, misturando gravidade e ironia, Michael Boder levou-nos a redescobrir uma escrita eminentemente narrativa, no sentido em que remete, não apenas para uma "visualização", mas, por assim dizer, para uma ideia de colagem do fraseado às imagens e às suas múltiplas evocações e invocações. Nesta perspectiva, com os solistas da primeira parte, e a apoteose da segunda, foi um concerto de saboroso "tradicionalismo", também ele fiel a uma dramaturgia impecavelmente controlada.