Hieronymous Bosch
A Nave dos Loucos [fragmento]
c. 1490-1500
A Nave dos Loucos [fragmento]
c. 1490-1500
Muitas vezes, nas televisões, o futebol continua a servir de veículo para o mais lamentável populismo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (16 de Outubro), com o título 'Uma noite de futebol'.
No passado sábado [dia 10], José Rodrigues dos Santos abriu o Telejornal (RTP1) em pose de mensageiro do apocalipse: a selecção portuguesa de futebol ia enfrentar a Hungria. Logo a seguir, foi convocado o repórter de serviço no Estádio da Luz: falou com um cidadão entusiasmado que previa uma vitória folgada (acertou!!!) para, logo a seguir, afirmar que os “portugueses” estavam “confiantes”. Faltou entrevistar 9.999.999 pessoas, mas se as sondagens se enganam, porque é que um repórter não pode proclamar a histeria da sua ciência?
A noite prometia. Já depois do jogo, Gabriel Alves (TVI24) optava pelo tom que não está na moda: a serenidade. Quase nem o mostraram: começou a falar, retiraram-no da imagem, com os três golos de Portugal a ser repetidos como se o sistema tivesse encravado em algumas imagens em loop... Mas lá foi dizendo o que qualquer adepto sensato reconhece: a selecção continua a mostrar muitas fragilidades, faltando-lhe um sistema de jogo coerente e consistente (num rápido zapping, era possível perceber que, na SIC Notícias, Rui Santos tentava também enquadrar os eventos de forma metódica e racional). Esperava-se que o moderador, Sousa Martins, pegasse nas palavras de Gabriel Alves e, mesmo discordando, atentasse na sua diferença. Nada disso: era preciso passar para o directo, com outro repórter a procurar gente aos pulos e aos gritos. De novo em estúdio, Manuel Queiroz também tentou relativizar a situação, pelo menos evitando que alguém viesse garantir que já somos campeões do mundo. Que faz, então, Sousa Martins? Será que, finalmente, escuta aquilo que lhe estão a dizer? Não. Pede o “povo”, ou seja, mais pulos e mais gritos... Neste estilo televisivo, só é “povo” quem pular e gritar.
Antes, durante a transmissão do jogo (TVI), os repórteres celebravam a “contradição” que descobriram: ao marcar um golo, Liedson [foto] nunca tinha sido tão aplaudido no Estádio da Luz! Valeu a frieza de Toni que nem sempre terá o dom da palavra, mas é um profissional do futebol que não embarca em grosserias populistas: foi ele que lembrou que estávamos a ver “a selecção de Portugal”. Obrigado, Toni, não é certo que todos estivessem a ver o mesmo.