segunda-feira, outubro 05, 2009
Ciclo Stockahusen: Dia 2
N.G.: O segundo dia do Ciclo Stockhausen, na Fundação Gulbenkian, abriu (literalmente) portas a outros espaços visitados pelo compositor no percurso por 24 horas que representa o ciclo ‘Klang’.
A primeira hora e meia de concerto permitiu-nos um contacto com as primeiras 15 de um conjunto de 24 peças para piano que constituem a terceira hora do ciclo Klang. Stockhausen chamou-lhe Natürliche Dauern (Durações Naturais)… Durações que, como o próprio explicou, “estão relacionadas com o registo, a intensidade e com o pedal de sustentação” do piano. Dois pianistas (Frank Gutschmidt e Benjamin Kobler) dividiram entre si as 15 peças, o primeiro abordando uma sequência de composições que pareciam desafiar os limites do silêncio, o segundo juntando elementos adicionais (a fala, guizos, intervenções directas sobre as cordas do piano), alargando os ângulos de abordagem à medida que o ciclo avança. Apesar das diferentes formas procuradas em cada uma das peças, por quase todas passou a busca de tempos de espera, deixando o som das notas quase desaparecer, a ressonância dissipando-se gradualmente na sala, ao quase silêncio seguindo-se novo acontecimento. No fim, uma hora e meia de música e contemplação, que fluiu sem esforço.
O mesmo não se poderá dizer da segunda parte do programa de domingo. Himmels Tür (Porta do Céu), a quarta hora do ciclo Klang, é uma obra interpretada por um percussionista (Stuart Gerber, na foto) e projecção de som, contando ainda com a breve passagem pelo espaço cénico de uma menina. A peça retoma o sentido metafísico das duas partes do ciclo escutadas no sábado. Porém, opta por uma atitude essencialmente performativa, desafiando o percussionista a abordar a porta de madeira (a Porta do Céu) sob vários estados de alma até conseguir abri-la, atravessando-a logo depois, seguindo-se uma erupção de novos sons e, no fim, a entrada em cena da menina que, saindo da plateia, entra no palco e atravessa a porta. E aos poucos os sons desaparecem… Himmels Tür é uma peça mais interessante enquanto proposta conceptual que como ideia musical. É indiscutível o brio com que o percussionista expressou cautela, súplica ou agitação perante a porta (ainda) fechada… Mas anos volvidos sobre as grandes surpresas que habitaram em tempos os espaços de vanguarda nas artes performativas, uma peça com estas características deu-nos não muito mais que 20 minutos de acção em palco. E, das quatro partes do ciclo já apresentadas, revelou-se, até aqui, a menos consequente.
Técnica e espírito
J.L.: Com a passagem do filme Helicopter String Quartet (1996), de Frank Scheffer, pudemos ter uma percepção muito directa e, por assim dizer, intimista, de Stockausen em trabalho [foto]. O filme é um brilhante exercício documental que nos coloca no interior de um processo criativo em que a obsessiva precisão da música se confronta com o desafio de uma performance em voo, com cada um dos elementos do quarteto de cordas no respectivo helicópetro.
O segundo filme do dia, Interview with Stockhausen (2007), de Olivier Assayas, que deverá ser o derradeiro registo filmado do compositor (Stockausen faleceu a 5 de Dezembro de 2007, contava 79 anos), funcionou como uma excelente adenda. Em diálogo com o coreógrafo francês Angelin Preljocal, Stockhausen discute a encenação em palco de Sonntags Abschied, de algum modo explicitando o discurso criativo que a experiência de Helikopter tão eloquentemente traduz: o de uma integração festiva das novidades da técnica, sempre visando uma nova espiritualidade, ligada a linguagens ainda por descobrir.
>>> Fragmento de uma encenação de Helikopter, em 2001, por Angelin Preljocal.