Um dos filmes que integra a programação do Queer Lisboa 13 pode levar-nos a uma reflexão sobre o aprofundar de uma relação entre o mundo político e os caminhos da ópera contemporânea. O filme, Fig Trees (na imagem acima), do canadiano John Greyson (passa quinta feira, dia 25, pelas 21.30, na Sala 3 do Cinema São Jorge) é um documentário em forma de… ópera. Trata-se de um olhar sobre situações e figuras que nos dão retratos de episódios políticos na história da luta contra a sida, com palavras, ideias e factos depois transformadas num libreto, musicado por David Wall e apresentado com cantores. Este filme/ópera não só se pode relacionar com ideias de teatro musical mutimedia que Steve Reich tem apresentado nos últimos anos (aos quais, contudo, o compositor norte-americano não gosta de aplicar o termo “ópera”), como demonstra afinidades com uma ideia de obra com corpo político (olhando factos e figuras reais) que tem habitado em alguns exemplos na ópera contemporânea, nomeadamente através de trabalhos de John Adams, Philip Glass ou Osvaldo Golijov (cuja ópera Ainadamar tem por protagonista a figura de Garcia Lorca e a guerra civil espanhola). Ou, mesmo partindo da adaptação de uma ficção (assinada por George Orwell), mas reflectindo sobre o totalitarismo, está também no tutano do recente 1984 de Lorin Maazel.
Aqui ficam três exemplos de ligações directas entre o mundo político e a ópera dos nossos dias, em obras que aproximam assim a criação artística do universo que corre, no mundo real, à nossa volta. Distante, portanto, dos contos feitos de mitologias, heróis e tragédias que em tempo dominavam os palcos.
Steve Reich - ‘Three Tales’ (2002)
Three Tales, de Steve Reich e Beryl Kotot é um espectáculo multimedia no qual a música e a imagem (em vídeo) têm igual protagonismo. O compositor não lhe chama ópera, mas há aqui afinidades com a forma como esta forma musical hoje é encarada. Na berlinda está uma série de reflexões sobre grandes acontecimentos do século XX, nomeadamente o acidente do zeppelin Hidenburg (nas imagens), as experiências atómicas no atol de Bikini e a ovelha Dolly. Não é a primeira obra política de Steve Reich, devendo trabalhos seus sobre o Holocausto (Different Trains) ou a memória de Daniel Pearl (Daniel Variations) ser igualmente tidos em contas no retrato desta importante faceta do seu trabalho.
John Adams - ‘Dr. Atomic’ (2005)
O compositor John Adams tem levado a várias das suas óperas questões políticas do nosso tempo. Quando se estreou, com Nixon In China, em 1987, evocou através da ópera (hoje apontada entre as referências maiores da música do final do século XX) a histórica viagem de Nixon à China em 1972, fazendo do presidente Nixon e de Mao Tse Tung os seus protagonistas. Adams voltou a explorar outros instantes da história do século XX em The Death Of Klinghoffer (1991), onde recorda o sequestro do navio Achille Lauro e o mais recente Dr. Atomic (2005), sobre os dias que antecederam o teste da primeira explosão atómica.
Philip Glass - ‘Satyagraha’ (1980)
A segunda das óperas-retrato de Philip Glass (as restantes sendo Einstein On The Beach e Akhnaten) centra-se na figura de Ghandi, numa etapa da sua vida na qual viveu na África do Sul. A obra de Philip Glass apresenta mais exemplos de uma identidade política quer em observações várias sobre o ambiente (em peças como, por exemplo, Itaipu) ou, usando um romance de Coetzee como base, na ópera Waiting For The Barbarians. Mais distante no tempo, o cenário que acolhe a sua ópera Appomattox (de 2007) evoca o final da guerra civil americana.