segunda-feira, setembro 21, 2009

Eleições 2009: os mecanismo de suspeição

Este texto integra a série "Política das imagens", nas páginas do DN ao longo da campanha para as eleições de 27 de Setembro — foi publicado no dia 19, com o título 'O ciclista, os políticos e os "famosos"'.

Na agitação da campanha, não terá adquirido grande evidência uma notícia chocante do mundo do desporto: Nuno Ribeiro, vencedor da Volta a Portugal em Bicicleta, poderá vir a perder o seu título, já que uma análise indica que terá tomado substâncias interditas. Seja qual for a evolução do caso (o atleta solicitou uma contra-análise), a notícia vem reforçar um sentimento difuso de descrença colectiva: a fragilização dos laços sociais e simbólicos tem como espelho cruel uma paisagem mediática que, todos os dias, nos instala numa atitude de suspeita ou irrecuperável desilusão face ao comportamento de indivíduos e instituições.
Escusado será lembrar que a questão da transparência da vida colectiva emerge em muitas frentes dos actuais combates políticos. O que está em jogo é tão fundo e tão complexo que excede o problema (não secundário, como é óbvio) da percepção que temos da honestidade ou desonestidade deste ou daquele político, de um ou outro jornalista. É algo que coloca em jogo todos os factores, desde os legais até aos especificamente afectivos, que contribuem para o funcionamento da comunidade que somos.
Daí o sentimento paradoxal com que, pela minha parte, observo a proliferação de entrevistas aos principais líderes políticos nas televisões, rádios e jornais. Não que essas entrevistas sejam todas iguais. Nem pretendo sugerir que são dispensáveis. Acontece apenas que o espaço simbólico da informação mudou, a ponto de nos fazer ver a cena política como uma variação “séria” sobre o mundo frívolo dos “famosos”. E insisto: isso acontece independentemente das inegáveis qualidades de algumas das entrevistas citadas. Dir-se-ia que precisamos de novos protagonistas para além de políticos e “heróis” de telenovelas. Se possível, agradecemos também ciclistas em que possamos confiar.