sábado, agosto 22, 2009

Novos instantes decisivos

Que vemos, ou que conseguimos ver, quando passamos da vertigem da velocidade para a nitidez do instante? Por exemplo, no atletismo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (21 de Agosto), com o título 'Magia do instante'.

Um dos génios da fotografia francesa, Henri Cartier-Bresson (1908-2004), falava do instante decisivo, algo que está para além da noção pitoresca de “instantâneo”. Não se trata, de facto, de reduzir a fotografia a um registo fútil de momentos anedóticos, mas sim de compreender a raridade das imagens realmente intensas e duradouras: entre a rapidez insondável dos acontecimentos e a decisão do fotógrafo fazer click, por vezes (poucas vezes...) tudo se conjuga para que seja eternizado um instante irrepetível.
O desporto criou um novo tipo de instantes decisivos. Algumas imagens das provas de atletismo combinam mesmo a precisão fotográfica com a lógica científica. Aliás, essa lógica é uma das razões porque se pode admitir que o futebol beneficiaria do uso de imagens do mesmo género, em particular para avaliar se uma bola passou ou não a linha de golo (seria, pelo menos, uma maneira de evitar que a televisão se transforme em “tribunal popular” da arbitragem).
Vemos, aqui, a americana Sanya Richards a vencer a final dos 400 metros nos Campeonatos do Mundo de Atletismo. A imagem tem qualquer coisa de mágico: é-nos permitido observar a dinâmica dos corpos para além da velocidade com que os admiramos “em tempo real”. E há uma ironia bizarra em tudo isto: esta já não é uma fotografia de fotógrafo (passe a redundância), mas uma imagem resultante de um dispositivo automático, puramente maquinal. Que Cartier-Bresson nos perdoe.