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FOTOS C. Neil Scott
Os trabalhos de interpretação ou performance — em sentido muito lato — têm uma história que nos ensina que o overacting é, por regra, um erro: é preciso sentir que a história, seja ela qual for, vale por si; os "sublinhados" são inúteis e, quase sempre, revelam descrença no próprio material narrativo.
As excepções a tal regra implicam uma boa dose de génio ou loucura (de preferência, em acumulação). São excepções que assombram qualquer definição académica do acto de exposição ao público: Orson Welles (todo, hélas!), Joan Crawford (Johnny Guitar), Marilyn Monroe (Bus Stop), Al Pacino (Um Dia de Cão), Jack Nicholson (The Shining)... A essa lista de raridades precisamos de acrescentar, agora, o nome do trompetista Peter Evans: o seu concerto a solo, na Gulbenkian (dia 7, 18h30), foi um desses acontecimentos tão radicais e, ao mesmo tempo, tão descarnados que desafiam qualquer descrição.
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Será uma espécie de recurso evocar o nome de Miles Davis. Sem dúvida. Mas porque não recorrermos a quem inscreveu o seu fogo no nosso pensamento? Acontece que Evans leva às mais elaboradas consequências essa ideia vital que faz do trompete, não um veículo de sonoridades, mas uma emanação directa de uma voz interior, tão interior que a própria materialidade do corpo não chega para a definir. É uma voz de solidão, claro, porque é sobre a solidão que o trompete se dispõe a dialogar — seria estúpido tentar discutir com ele as convulsões dos mercados financeiros. E, no entanto...