Com Brad Bitt, Mélanie Laurent [foto] e Christoph Waltz (prémio de melhor actor em Cannes), Inglourious Basterds/Sacanas sem Lei é um filme em que Quentin Tarantino põe à prova as fronteiras da história e da dramaturgia clássica — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 de Agosto), com o título 'Picasso, heterodoxia e antinazismo'.
Dos EUA chegam-nos ecos de algumas polémicas sobre o grau de “verdade” dos factos encenados por Quentin Tarantino em Sacanas sem Lei. Parece-me uma discussão pueril, enredada nas exigências desse “verismo” de telejornal que nos quer reduzir a crianças inertes, para sempre amarradas aos bancos da escola. É mesmo uma discussão que nos faz recuar ao ponto de começarmos a pôr em causa a Guernica de Picasso porque os cavalos não estão muito “parecidos”... Será preciso lembrar que a questão da “aparência” figurativa ou factual não basta para entender o que aconteceu nas artes dos últimos 150 anos?
Sim, é verdade que Quentin Tarantino introduz delirantes derivações na sua “reconstituição” da Segunda Guerra Mundial, nomeadamente no tratamento de uma viagem de Adolf Hitler a Paris. Acontece que ele não está a fazer um tradicional filme de guerra. É mesmo duvidoso que Sacanas sem Lei se possa classificar, apenas, como filme de guerra (quanto mais não seja porque a expressão remete para um género altamente codificado da produção cinematográfica dos anos 40/50). Tal como em Pulp Fiction (1994) ou Jackie Brown (1997), a convocação de mil e uma referências cinéfilas desemboca numa mesma questão, central e obsessiva: o poder devastador das palavras. É verdade: Sacanas sem Lei é, no essencial, um filme de longos e elaboradíssimos diálogos através dos quais compreendemos que a identidade de cada um se está constantemente a decidir através da maior ou menor coincidência do seu corpo com a sua voz. Ou, se preferirem: da sua imagem com as suas palavras. Será preciso acrescentar que, em tempos de banalização digital, estamos perante uma complexa e exuberante celebração da dimensão mais carnal do cinema? Acredito que os mais inquietos se mostrem perturbados com a heterodoxia dos artistas e perguntem: e a ideologia? Essa é fácil: é antinazi.
Dos EUA chegam-nos ecos de algumas polémicas sobre o grau de “verdade” dos factos encenados por Quentin Tarantino em Sacanas sem Lei. Parece-me uma discussão pueril, enredada nas exigências desse “verismo” de telejornal que nos quer reduzir a crianças inertes, para sempre amarradas aos bancos da escola. É mesmo uma discussão que nos faz recuar ao ponto de começarmos a pôr em causa a Guernica de Picasso porque os cavalos não estão muito “parecidos”... Será preciso lembrar que a questão da “aparência” figurativa ou factual não basta para entender o que aconteceu nas artes dos últimos 150 anos?
Sim, é verdade que Quentin Tarantino introduz delirantes derivações na sua “reconstituição” da Segunda Guerra Mundial, nomeadamente no tratamento de uma viagem de Adolf Hitler a Paris. Acontece que ele não está a fazer um tradicional filme de guerra. É mesmo duvidoso que Sacanas sem Lei se possa classificar, apenas, como filme de guerra (quanto mais não seja porque a expressão remete para um género altamente codificado da produção cinematográfica dos anos 40/50). Tal como em Pulp Fiction (1994) ou Jackie Brown (1997), a convocação de mil e uma referências cinéfilas desemboca numa mesma questão, central e obsessiva: o poder devastador das palavras. É verdade: Sacanas sem Lei é, no essencial, um filme de longos e elaboradíssimos diálogos através dos quais compreendemos que a identidade de cada um se está constantemente a decidir através da maior ou menor coincidência do seu corpo com a sua voz. Ou, se preferirem: da sua imagem com as suas palavras. Será preciso acrescentar que, em tempos de banalização digital, estamos perante uma complexa e exuberante celebração da dimensão mais carnal do cinema? Acredito que os mais inquietos se mostrem perturbados com a heterodoxia dos artistas e perguntem: e a ideologia? Essa é fácil: é antinazi.