sábado, agosto 01, 2009

"A Felicidade": que mercado para os filmes?

Fernando Lopes e Pedro Gil, em "A Felicidade", de Jorge Silva Melo

O lançamento de uma curta-metragem portuguesa é um bom pretexto para reflectirmos sobre o lugar das "curtas" no mercado. E sobre o próprio mercado — este texto foi publicado no Diário de Notícias (29 de Julho), com o título 'Dez minutos para olhar à nossa volta'.

Por razões de amizade e profissionais, sei da importância que os actores têm para Fernando Lopes: nos seus filmes e nos filmes dos outros. O actor é, para ele, o lugar de uma sublime exposição de que ninguém sai incólume: nem o próprio, nem o espectador. Seduzido pelo jogo de pôr máscaras para ser mais verdadeiro, o próprio Fernando tem feito algumas experiências como actor, por exemplo em The Lovebirds (2007), de Bruno de Almeida. Podemos redescobri-lo agora, interpretando um pai em diálogo amargo e doce com o filho (Pedro Gil), na curta-metragem A Felicidade, de Jorge Silva Melo.
Estreada como complemento de As Praias de Agnès [cartaz], de Agnès Varda, A Felicidade é um exemplo vivo de como os filmes não se medem aos palmos. Numa breve viagem de automóvel, assombrada pela luz demasiado feliz de Lisboa, Silva Melo encena, não apenas a dolorosa distância entre gerações, mas também as marcas de uma solidão que parece abraçar todos os sentidos do mundo. Para os que insistem em promover o preconceito segundo o qual o cinema português não fala daquilo que somos, do que vivemos e também do que não sabemos viver, os dez austeros minutos de A Felicidade são a prova real da simples e essencial capacidade de olhar à nossa volta.
Inevitável, também por isso, sublinhar o simples facto de A Felicidade ter chegado ao circuito das salas de cinema. Inevitável falar desse absurdo desequilíbrio em que continua a viver o cinema português, por vezes suscitando imprecações fáceis contra o “Estado”, outras contra os “autores” (havendo sempre o recurso de escolher a “crítica” como bode expiatório de todos os males que apoquentam a humanidade). Basta dar alguma atenção ao que acontece à nossa volta (por exemplo, o recente Festival de Vila do Conde) para saber que as curtas metragens se continuam a fazer com pendular regularidade. Há de tudo, claro, desde o mais refinado brilhantismo às coisas mais atrozes. Mas, precisamente porque há de tudo e porque a diversidade é um valor, não se compreende que o lançamento de um filme como A Felicidade seja, não a regra, mas uma heróica excepção.
Aliás, também aqui conviria não embarcarmos em nacionalismos de telejornal: a questão dos filmes com crescente dificuldade para chegar às salas não se pode reduzir a uma problemática meramente interna. O que está a acontecer é um estreitamento de alternativas que, a partir de uma militante “infantilização” da oferta (veja-se o esmagamento promocional liderado por Harry Potter), castiga todas as cinematografias, incluindo a americana.
Quantos espectadores sabem, por exemplo, que O Acompanhante [cartaz], recente (e fabuloso) filme de Paul Schrader, foi condenado a um ultra-discreto lançamento em DVD? Repare-se: não estamos a falar de uma experiência bizarra de um autor financiado por fundos culturais luxemburgueses; nem se trata de um cineasta esotérico de uma ilha esquecida do continente asiático. Nada disso: argumentista de Martin Scorsese (Taxi Driver), autor de filmes muito conhecidos e discutidos (American Gigolo, A Pantera, Mishima), Schrader transformou-se, ou foi transformado, num pária comercial. Mesmo quando, como é o caso, trabalha com actores como Woody Harrelson, Kristin Scott Thomas e Lauren Bacall. Será que o mercado já não se interessa pelos espectadores com mais de 15 anos?