sábado, julho 11, 2009

Rotinas tele-futebolísticas

É impressionante, e verdadeiramente chocante, o modo como as televisões banalizaram (pelo excesso) a abordagem do futebol — este texto foi publicado no Diário de Notícias (10 de Julho), com o título 'Rotina(s) do futebol'.

Com a aproximação da nova época futebolística, (re)começaram nas televisões aquelas inacreditáveis reportagens sobre os treinos das equipas. Porquê inacreditáveis? Porque há nelas um entorpecente efeito de repetição que nasce do próprio dispositivo montado pelos clubes e, na prática, sancionado pelas televisões. Pela milésima vez, vemos os mesmos grupos, distantes e indiferentes, de jogadores: entram no relvado, correm para a direita e para a esquerda, dão uns toques mais ou menos ligeiros na bola... Quase sempre, acaba-se com dois grandes planos, o treinador e um jogador, garantindo que vão trabalhar muito e que vai ser tudo com muito sacrifício.
Já nem falo do que tudo isto representa enquanto demissão jornalística. De facto, é inacreditável que se informe segundo este conceito (?) de reprodução das mesmas imagens, sacralizando o mesmo tipo de olhar, tudo tratado com as mesmas regras de montagem e narrativa. Penso, sobretudo, no que tudo isso representa de esbanjamento financeiro. Que sentido faz ter equipas de reportagem todos os dias mobilizadas, não para lidar com a diversidade do mundo, mas sim para produzir registos que só podem “repetir” o que já foi feito centenas de vezes? Em boa verdade, as televisões podiam passar imagens e sons recolhidos há um ano como se fossem do próprio dia. Ninguém daria pela diferença. E, mesmo que desse, ao menos seria uma nota de desconcertante humor.
Penso ainda na questão fulcral, tantas vezes enunciada por Jean-Luc Godard como o drama da banalização, prática e mental, do trabalho. A saber: como se hão-de sentir os operadores de imagem e som que, no interior deste dispositivo, são peças meramente instrumentais e descartáveis?
É essa a tragédia interior da “futebolização” da informação: a de haver profissionais competentes e talentosos, munidos de câmaras e microfones, a funcionar como elementos passivos de uma fabricação de notícias enlatadas, por definição iguais, repetitivas e, no limite, apoteoticamente inúteis. Estamos muito para além da discussão (anedótica) sobre a “quantidade” de futebol nas notícias. O que importa interrogar é o conceito de jornalismo que subjaz a estes métodos de trabalho.