CRASH
série televisiva/FOX Crime
série televisiva/FOX Crime
Por que é que alguns comentadores de futebol continuam a assumir-se como juízes de um desporto reduzido à condição de "tribunal popular"? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (24 de Julho), com o título 'Justiças e injustiças'.
1. Com os preliminares da nova época futebolística, regressou o clássico absurdo da “justiça” nos resultados. Esperava eu (mas não devo culpar os outros pela minha ingenuidade) que a maior parte dos comentadores reflectisse um pouco sobre a sua responsabilidade na propagação de um conceito que, além de rasurar a saborosa imponderabilidade do próprio desporto, favorece o clubismo mais “justiceiro” e vingativo. Mas não, nada a fazer. À margem, não compreendo como é que as direcções editoriais continuam a não fazer nada face à disparatada proliferação de infinitos (“dizer que...”, “lembrar que...”). As delícias do futebol não são uma boa razão para não fazer justiça à língua portuguesa.
2. Magnífico episódio de Os Contemporâneos no passado domingo. Por um lado, a rábula com o pato Donaltim entra para a galeria dos momentos antológicos de um humor pedagogicamente empenhado na desmontagem das justiças e injustiças do espaço televisivo. Por outro lado, os vários quadros sobre o jornalismo dos “famosos” tiveram o imenso mérito de lembrar que o imaginário da “fama” não pode ser problematizado a partir de uma visão meramente moralista dos seus protagonistas. Porquê? Porque é fundamental enfrentar a própria questão jornalística. A saber: a abusiva utilização da nobre palavra jornalismo para caracterizar práticas enraizadas num profundo menosprezo pela dimensão humana e que apenas favorecem uma visão pornográfica das pessoas, seus sentimentos e afectos.
3. Tendo em conta os dois primeiros episódios, a série Crash (Fox Crime) parece ser um exemplo esclarecedor de como é possível reconverter um complexo objecto de cinema num belo exercício de televisão. Trata-se de desenvolver os pressupostos do filme Crash/Colisão (2004), de Paul Haggis, encenando uma série de histórias cruzadas que reflectem algumas tensões internas do quotidiano de Los Angeles. Com actores como Dennis Hopper, Ross McCall, Clare Carey e Jocko Sims, a série consegue expor os perversos modos de funcionamento de uma teia social tão aberta no seu liberalismo quanto cruel nos seus interditos. É, para já, uma das mais estimulantes descobertas dos últimos meses.