quarta-feira, maio 13, 2009

Vida e morte do cinema português

SINGULARIDADES DE UMA RAPARIGA LOURA, de Manoel de Oliveira
(Foto: Jorge Trepa)

Para onde vai o cinema portugues? Ou melhor, de onde vem? Como (sobre)viver num mercado onde, por principio, os filmes nao se pagam? — este texto foi publicado no Diario de Noticias (11 de Maio), com o titulo 'Cinema portugues, aqui e agora'.

Há 30 anos escrevi um texto sobre o estado do cinema português que me valeu muitas antipatias e alguns insultos (se hesitou, caro leitor, garanto-lhe que não é engano: 30 anos). Chamava-se o texto, ironicamente: “Para acabar com o cinema português”. Nele se defendiam dois pontos de vista muito básicos: primeiro, que não fazia sentido instituir uma guerra de exclusões no interior do cinema português (alimentando um conflito primário que, na altura, se materializava na dicotomia Manoel de Oliveira/José Fonseca e Costa); segundo, que só por ignorância se podia propalar a noção de que a salvação do cinema português estava nos filmes que iriam gerar receitas grandiosas, rentabilizando os respectivos investimentos. Tratava-se de afirmar dois princípios muito simples: primeiro, que podemos divergir na avaliação dos filmes sem que isso impeça a defesa do máximo de diversidade para o cinema português; segundo, que nenhum voluntarismo economista pode ignorar que qualquer filme português, por princípio, não se paga.
Em boa verdade, 30 anos depois, quase nada mudou: muitos discursos continuam a encarar o cinema português do mesmo modo primário e clubista que domina as discussões futebolísticas e, além disso, o mascarar das realidades cruas do mercado transformou-se numa forma de ideologia para o audiovisual.
Em relação a este último aspecto, vale a pena citar o exemplo esclarecedor de Second Life, um dos filmes lançados e promovidos para “salvar” o cinema português da sua miséria económica. O filme gerou uma receita bruta de 403 mil euros. Ora, de acordo com a respectiva produção, custou um milhão e meio de euros. Tendo em conta que à receita é necessário retirar custos de cópias, gastos em publicidade e ainda a percentagem que fica nos exibidores, pergunta-se: onde estão os lucros? Ou será que a edição em DVD vai render, pelo menos, um milhão de euros?
Não se trata de proibir quem quer que seja de fazer o seu Second Life. Nenhuma política de gosto é um bom fundamento para uma real política de produção (e sei, por experiência própria, que não adianta repetir isto mesmo, vezes sem conta, ao longo de 30 anos: há sempre uma população ululante disposta a gritar que os “críticos” querem que se façam os filmes de que “eles” gostam). O que está em jogo é de outra natureza e, há que reconhecê-lo, bastante mais amargo. A saber: é praticamente impossível um filme português ser rentável no interior do seu mercado. Mesmo que um filme português tivesse um comportamento comercial idêntico ao último Spielberg (no mercado português), mesmo assim, poderia não se pagar.
Que fazer? Digamos, para já, que qualquer política de produção comandada por um objectivo linear de lucro corre o risco de introduzir componentes pueris na cena política, levando a crer que é possível tratar o cinema como se fosse a indústria de automóveis (aliás, infelizmente, o exemplo adquiriu um paradoxal dramatismo). E se é verdade que as televisões são fundamentais em qualquer política de produção, não é menos verdade que lidar com o cinema através dos valores televisivos (estéticos e económicos) só pode acelerar a agonia do próprio cinema. Nesta perspectiva, a hipótese do meu título (“acabar com o cinema português”) não só continua actual, como se tornou muito mais possível. O que, enfim, prova como evoluímos em 30 anos.