Que se passa na televisão? Algum jornalismo pueril, algum futebol não muito bem falado e... Vincente Minnelli! Este texto foi publicado no Diário de Notícias (15 de Maio), com o título 'Veleidades televisivas'.
3. A passar no canal TCM, descubro o clássico Deus Sabe Quanto Amei (1958), de Vincente Minnelli. No original Some Came Running, trata-se de uma pérola do classicismo de Hollywood, com Frank Sinatra, Shirley MacLaine e Dean Martin. E não posso deixar de confrontar aquilo que (re)vejo com a obscena linguagem das telenovelas. Porque Minnelli filma exactamente o mesmo: as atribulações amorosas, as convulsões sexuais, até mesmo o jogo de hipocrisias nas relações sociais. Mas não há comparação possível: de um lado, a paixão pela natureza humana; do outro, apenas a retórica de um conceito medíocre do comércio narrativo.
1. Com o passar dos anos, José Rodrigues dos Santos criou um curioso estilo pessoal de apresentador de telejornal: a postura hierática é, por assim dizer, pervertida pelas nuances dramáticas que introduz no texto e, em particular, pelo uso simbólico das mãos (por exemplo, para sublinhar oposições como “esquerda/direita”, “dentro/fora”, etc.). É tudo muito pueril e simplista, mas possui um pedagógico poder revelador. Apresentando-se ele como protótipo da objectividade, o seu corpo diz o que muitas formas de jornalismo televisivo insistem em recalcar: que somos também aquilo que fazemos com o corpo, ou melhor, que ter um corpo é o contrário de qualquer neutralidade. Roland Barthes, analista das ideias do corpo, adoraria observar estes lapsos cometidos em nome de uma ingénua crença na “verdade” e na “transparência”.
2. Não quero favorecer a noção grosseira segundo a qual os comentadores do futebol não sabem falar português. Além do mais, comentar um jogo em directo é um trabalho complexo, sujeito a erros frequentes e totalmente compreensíveis. Mas confesso que me incomoda o triunfo do mal falar. Assim, parece consagrada a generalização dos tempos infinitos a abrir frases (“dizer que...”). Agora, entrámos na ignorância das significações originais das palavras. Por exemplo: veleidade, esse “assomo de presunção” a que se refere o Dicionário Houaiss. Para alguns comentadores, a palavra passou a ser sinónimo de facilidade ou cedência: “a equipa está a dar muitas veleidades ao adversário...” Como? Importa-se de repetir?
2. Não quero favorecer a noção grosseira segundo a qual os comentadores do futebol não sabem falar português. Além do mais, comentar um jogo em directo é um trabalho complexo, sujeito a erros frequentes e totalmente compreensíveis. Mas confesso que me incomoda o triunfo do mal falar. Assim, parece consagrada a generalização dos tempos infinitos a abrir frases (“dizer que...”). Agora, entrámos na ignorância das significações originais das palavras. Por exemplo: veleidade, esse “assomo de presunção” a que se refere o Dicionário Houaiss. Para alguns comentadores, a palavra passou a ser sinónimo de facilidade ou cedência: “a equipa está a dar muitas veleidades ao adversário...” Como? Importa-se de repetir?
3. A passar no canal TCM, descubro o clássico Deus Sabe Quanto Amei (1958), de Vincente Minnelli. No original Some Came Running, trata-se de uma pérola do classicismo de Hollywood, com Frank Sinatra, Shirley MacLaine e Dean Martin. E não posso deixar de confrontar aquilo que (re)vejo com a obscena linguagem das telenovelas. Porque Minnelli filma exactamente o mesmo: as atribulações amorosas, as convulsões sexuais, até mesmo o jogo de hipocrisias nas relações sociais. Mas não há comparação possível: de um lado, a paixão pela natureza humana; do outro, apenas a retórica de um conceito medíocre do comércio narrativo.