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Desde Herman José até Os Contemporâneos, são vários os exemplos que nos permitem perceber que o género humorístico, em particular na televisão, tem mantido uma energia contagiante no Portugal pós-25 de Abril. Apesar disso, continua a existir uma mitologia simplista segundo a qual o humor se dá melhor (seria até mais “fácil”) em tempos de algum bloqueio criativo. E surge sempre o exemplo fatídico: o teatro de revista terá tido o seu período áureo quando teve que lidar com a censura oficial, nos tempos do Estado Novo.
Considero esta última asserção duplamente gratuita. Em primeiro lugar porque, durante largos anos depois de 1974, a revista continuou a ser um espaço de espantosa alegria e invenção, não se tendo dado mal com as condições de liberdade inerentes à vida democrática. Depois, porque analisar os problemas de uma determinada forma de expressão omitindo as condições estruturais da sua produção é um gesto gratuito, tendencialmente demagógico. Para os mais distraídos, recomenda-se uma visita ao Parque Mayer para avaliar o modo como anos e anos de impotência política (que continuam...) reduziram a uma quase ruína aquele que era o núcleo de trabalho de muitos e respeitáveis profissionais.
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Não por acaso, Stewart tem visado com especial contundência os discursos catastrofistas difundidos pela Fox News, lembrando-lhes, entre outras coisas, a necessidade de aprender a viver num lugar que ele, apoiante de Obama, bem conhece: a oposição. Em todo o caso, não se pense que as actividades da Casa Branca se tornaram tabu em The Daily Show. Não só Obama tem sido várias vezes visado (sem esquecer o tema irresistível do cão presidencial...), como, em particular nas entrevistas, Stewart sabe adoptar o discurso do cidadão comum que quer perceber o que está realmente a acontecer com os dinheiros do seu país. Para quem ainda duvidasse que o humor é sempre político, vale a pena ver The Daily Show.