De que modo o Festival de Cannes (13/24 de Maio) foi uma parada de estrelas? Ou melhor: hoje em dia, onde estão as estrelas? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (24 de Maio), com o título 'Será que o "glamour" morreu?'.
Foi um tema latente desta 62ª edição do Festival de Cannes: o esvaziamento simbólico das estrelas de cinema. Porventura por pudor, ninguém o enunciou de forma tão clara, mas no quotidiano todos o pressentiram. Como se algo ameaçasse o aparato montado em torno da passadeira vermelha e do lendário acesso ao Palácio, através dos seus não menos lendários degraus (“la montée des marches”).
Há uma maneira simples de explicar este misto de desencanto e nostalgia. Tem a ver com a transferência, também ela simbólica, da aura das estrelas. Ou ainda: duas das vedetas mais badaladas deste festival foram um veterano do rock (Johnny Hallyday, actor do filme Vengeance, de Johnnie To) e um jogador de futebol (Eric Cantona, figura central de Looking for Eric, de Ken Loach). Dir-se-á que tal evidência resultam também da sua dimensão nacional e do facto de há muito tempo pertencerem ao imaginário popular francês. Sem dúvida. Mas a sua ascenção acontece a par de uma cada vez maior dificuldade do cinema em evocar (ou invocar?) o glamour clássico.
É certo que acabámos por ter Angelina Jolie na passadeira vermelha. Sintomaticamente, não para apresentar um filme, uma vez que veio apenas acompanhar o marido, Brad Pitt, um dos nomes do elenco de Inglourious Basterds, de Quentin Tarantino. Aliás, para além dos magníficos filmes que Cannes 2009 nos ofereceu, importa reconhecer que não tivemos um único construído a partir do apelo específico de uma estrela. Nem mesmo Almodóvar, com a “sua” Penelópe Cruz, que continua fixado no espelho, a filmar os seus fantasmas. Para mais, fingindo que ainda tem o fulgor de outros tempos.