domingo, abril 12, 2009

Velhos princípios, novos caminhos

Em 1980, na sequência do acumular de desentendimentos vários com as regras ditadas pelo poder soviético (sob o qual o seu país Natal viveu até à desagregação da URSS, em 1991) o estoniano Arvo Pärt (n. 1935) abandonou definitivamente a sua terra Natal. Começou por se instalar em Viena, na Áustria, acabando pouco depois por fixar residência em Berlim, onde ainda hoje vive. Foi aí que a sua música chegou aos ouvidos de Manfred Eicher, “patrão” da editora ECM, que na altura conhecia já exposição global através de discos de nomes como Keith Jarrett ou Egberto Gismonti, e que abrira recentemente espaço ao universo do minimalismo, editando as novas gravações oficiais de Steve Reich. Em 1984, Arvo Pärt estreou-se na ECM com Tabula Rasa, álbum no qual, além da peça com o mesmo nome incluía também o fulcral Fratres, composição de referência na história da afirmação de uma identidade europeia definida sobre atitudes semelhantes às dos minimalistas norte-americanos, embora traduzindo outras heranças e projectando depois novos caminhos.

25 anos depois, o assinalar de um quarto de século de colaboração permenente de Pärt com a ECM faz-se, não com uma antologia, mas antes um novo álbum, no qual se reunem algumas obras recentes, a maioria das quais da presente década. In Principio, com base em textos bíblicos, é mais um trabalho de intensa exploração de formas orquestrais e corais da música religiosoa, segundo um cânone que tem caracterizado algumas das mais célebres composições de Pärt desde finais dos anos 80. Cecila Vergine Romana, também para coro e orquestra, revela sinais de procura de pontes com um passado que não o da música medieval muitas vezes tomado como referência pelo compositor. Tonalidades “beethovenianas” abrem aqui intrigante (e cativante) novo espaço de acção. Em Mein Weg reecontramos heranças mais directas de uma linguagem a que entretanto alguns chamaram minimalismo sagrado. La Sindone (que parte do Santo Sudário, durante anos guardado em Turim) investiga por sua vez caminhos para a contemplação que espreitam o silêncio, sendo das peças aqui registadas a que mais se aproxima do estilo “tintinabuli”, que Pärt desenvolveu nos anos 70. Por sua vez, Da Pacem Domine (dedicado às vítimas do 11 de Março de 2004 em Madrid), aproxima-se das reflexões sobre o canto que Pärt começou a desenvolver desde que se dedicou ao estudo do canto gregoriano, quando ainda vivia na URSS. Em conjunto, In Principio sublinha a vitalidade de um compositor que, mesmo com personalidade musical demarcada, está longe de fechar as ideias a desafios, sejam estes lençados olhando em frente, encarando os factos do presente ou escutando outros ecos do passado. Belíssima gravação, dirigida por Tõnu Kaljuste, à frente de duas orquestras e um coro de Tallin (Estónia).


Outros lançamentos:
A mais activa das editoras de música clássica dos nossos dias, a Naxos tem já editada uma expressiva colecção de gravações de música da presente década, que assim começa a definir a série “21st Century Classics”. Um dos mais recentes volumes desta colecção apresenta gravações, pela Sinfonia Finlandia Jyvaskylã, dirigida por Patrick Gallois, de três obras do finlandês Kai Nieminen (n. 1953), duas delas, de facto, já do século XXI. Reflectindo o interesse do compositor pela literatura e da consequente procura nos livros de pontos de partida para a criação musical, as duas obras centrais desta gravação – Palomar (Concerto para Flauta), de 2001 e Through Shadows I Can Hear Ancient Voices (Concerto para Clarinete), de 2002- partem respectivamente de sugestões encontradas em textos de Italo Calvino e Antonio Tabucchi. No concerto para flautas sublinhe-se um interesse pela sugestão do retrato de pássraos, porém num quadro mais próximo da tradição das sinfonias “figurativas” que nas investigações que, ao longo dos anos, Messiaen dedicou ao canto das aves.


Uma nova gravação do assombroso Lux Aeterna de Györgi Ligeti (1923-2006), obra que muitos certamente recordarão de momentos-chave na banda sonora de 2001: Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick, chega pelo coro Capella Amsterdam e pelo ensemble musikFabrik, sob direcção de Daniel Reuss, no catálogo da Harmonia Mundi. O disco naturalmente não se esgota nesta peça, juntando ao alinhamento outras duas composições de Ligeti – Drei Phantasien Nach Friedrich Hölderlin e a Sonata para Viola Solo – e uma de Robert Heppner (n. 1925), Im Gestein. Lux Aeterna é, naturalmente, o elemento central da gravação. Composta em 1966, a peça surge uma década depois de Ligeti ter abandonado a Hungria e encontrado nova casa na Alemanha, tendo entretanto trabalhando em Colónia com Stockhausen, período que abriu novos horozontes à demanda de alternativas ao serialismo. Em Lux Aeterna encontramos uma obra que, apesar dos limites defindos, e de ocasionais frestas de nitidez, sugere antes uma luz enevoada, o onde a claridade se sente mas as formas perdem por vezes a sua definição.