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Recentemente, sem qualquer evidência, nem mesmo do ponto de vista estritamente promocional, surgiram no mercado de DVD dois títulos do mestre inglês Terence Fisher (1904-1980): As Duas Faces do Dr. Jekyll (1960) e A Morte Passou de Perto (1964). Nem sequer o facto de estarmos perante exemplos do clássico cinema de terror dos estúdios Hammer, com a chancela do lendário produtor Michael Carreras, trouxe qualquer visibilidade especial a tais produtos.
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Na área do cinema de terror, em particular, há muitos espectadores mais jovens formados a partir de um conceito simplista das narrativas que confunde a acumulação de “efeitos especiais” com o trabalho formal e dramatúrgico. Aliás, semelhante simplismo estende-se aos mais variados géneros, incluindo o “filme de adolescentes”, para muitos uma mera antologia de anedotas mais ou menos escatológicas, em tudo e por tudo distante da riqueza e complexidade de obras-primas clássicas como Fúria de Viver (1955), de Nicholas Ray, ou Esplendor na Relva (1961), de Elia Kazan.
As Duas Faces do Dr. Jekyll pode ser tomado como um caso modelar da estética que Terence Fisher inscreveu no cinema inglês dos anos 50/60 e, em particular, nas produções da Hammer. As suas singularidades são inseparáveis do trabalho do director de fotografia Jack Asher (1916-1991) que, tirando partido da sofisticação do “Technicolor” da época, soube criar um genuíno look Hammer em que alguma sensibilidade realista da pintura do século XIX, em especial no tratamento da figura humana, é integrada de modo a favorecer, paradoxalmente, o pressentimento de um mundo fantástico, em permanente convulsão emocional.
Escusado será dizer que este é um cinema que depende muito pouco do “exibicionismo” técnico que, tantas vezes, reduz as produções contemporâneas a meras ostentações formalistas (aliás sancionadas por um discurso jornalístico e crítico que ignora o carácter específico do trabalho narrativo). Pode até dizer-se que, face a muitos valores actuais de produção, filmes como As Duas Faces do Dr. Jekyll estão condenados a ser vistos como objectos algo anacrónicos. E sê-lo-ão, sem dúvida, para qualquer visão banalmente tecnicista do cinema e da sua história.
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