domingo, abril 05, 2009

Reinventar heranças medievais

Clássicos do século XX - 15
Carl Orff, 'Trionfi'
(1937-1953)

Não se trata de uma obra comum, mas antes de um ciclo. Um tríptico, para sermos precisos, cuja primeira parte conheceu estreia em 1937, a terceira sendo apenas completada 16 anos depois. Em conjunto este tríptico apresenta-se como Trionfi, incluindo aquela que é a mais célebre das obras do alemão Carl Orff. Trata-se de Carmina Burana, uma cantata cénica baseada em cantos medievais profanos com o mesmo nome (“os”festivos carmina burana), estreada em Frankfurt em 1937, transformando-se, apesar de alguns receios iniciais, na mais célebre obra musical criada durante o regime nazi, nem por isso perdendo depois a sua popularidade pelo mundo fora, garanrida a partir dos anos 60 através de uma série de bem sucedidas gravações pelas mais variadas orquestras e maestros, em todas as grandes etiquetas discográficas com catálogo de música clássica. O tríptico de que falamos abre com Carmina Burana, mas completa-a com duas outras obras: Catulli Carmina (1943) e Il Trionfo di Afrodite (1953), próximos nos métodos de trabalho e fontes, mas sem a opulência da obra original, que na verdade sempre ofuscou as restantes peças destes Trionfi. As três partes que constituem este tríptico conheceram essencialmente edições discográficas separadas. Recentemente a Deutsche Grammophon recolheu, num CD duplo, a gravação integral das três obras, realizada entre 1953 e 56 pela Orquestra da Radiodifusão da Baviera, sob direcção de Eugen Jochum (e que então contou com a aprovação do próprio Carl Orff).

Carl Orff é um dos grandes nomes da música alemã do século XX muitas vezes injustamente reduzido ao papel de compositor de Carmina Burana. Tendo dedicado muito do seu tempo ao desenvolvimento de programas de ensino da música na Alemanha, não foi tão prolífico como muitos outros seus contemporâneos. A sua obra mesmo assim envolve uma série de trabalhos de vulto, entre os quais se contam cinco óperas, a primeira das quais a magnífica Der Mond, de 1939, na qual se projectam sinais directos da linguagem entretanto desenvolvida e apurada em Carmina Burana. Carl Orff nunca gostou contudo de chamar óperas a muitas destas suas composições de grande escala, a opção quem sabe se resultado de sinais de um tempo em que, ao contrário dos dias de hoje, a ópera estava loge de figurar na agenda primordial da agenda de muitos compositores. Houve até quem tivesse dado a ópera como um género “acabado”... Depois do fim da guerra, o nome de Carl Orff viveu permanentemente assombrado pela popularidade que viveu durante o poder nazi. Amigo de um dos fundadores do movimento de resistêncie Die Weisse Rose, diz-se que terá rejeitado o pedido de auxílio que lhe foi lançado quando este foi capturado em 1943. Depois da guerra chegou a dizer-se membro do movimento...

O tom rejubliante de Carmina Burana, a força do melodismo da composição e o trabalho de exploração de ritmo que a suporta fez desta, entre o triptico Tronfi, a obra que mais vidas conheceu, desde as mais variadas encenações à forma como a cultura popular a aceitou e assimilou. Desde um anuncio de after shave ao som de O Fortuna a cenas-chave do filme Excalibur (na foto), de John Boorman, muitos foram já os instantes em que esta música conheceu existência fora dos palcos e dos discos onde nasceu.



Imagens de uma cena de uma das várias encenações de Carmina Burana, esta criada em específico para cinema. O filme, simplesmente intitulado Carmina Burana, foi realizado em 1975 por Jean Pierre Ponelle.