quinta-feira, abril 09, 2009

Pet Shop Boys: os primeiros 25 anos

Faz hoje 25 anos que os Pet Shop Boys lançaram o seu primeiro single: West End Girls, que teria um teledisco assinado por Eric Watson e Andy Morahan [a que pertence o fotograma reproduzido em cima]. Passado um quarto de século, a vitalidade pop mantém-se intacta e o duo tem sabido transcender as próprias modas que foi instaurando pelo caminho — os textos que se seguem evocam essa trajectória fascinante e foram publicados no Diário de Notícias (4 de Abril).

N. G.: A 9 de Abril de 1984 chegava pela primeira vez às lojas de discos um single dos Pet Shop Boys. No lado A surgia um tema que pouco mais de um ano depois os levaria ao primeiro lugar de tabelas de venda do mundo fora, lançando definitivamente a carreira desta dupla. Era West End Girls, numa versão ainda distinta da que em 1985 o mundo conheceu. Mais próxima do som da música de dança que então se escutava na noite novaiorquina, a versão original de West End Girls era produzida por Bobby Orlando, um dos nomes de referência do hi-nrg (ler high energy), som que então saía da club scene e conquistava talentos emergentes na música pop. Apesar de ignorada pelas rádios e pelo público em geral, a versão original de West End Girls vincou desde logo uma ligação do grupo à música de dança (que ainda hoje se mantém viva). E deu-lhes o primeiro êxito entre DJ e discotecas, sobretudo nas noites de cidades como Los Angeles e São Francisco, conquistando ainda alguma visibilidade na Bélgica e França. A versão mais pop, editada um, ano depois, vincou o piscar de olho ao hip hop da linha vocal de Neil Tennant.

A arte das canções

N. G.: Poucos imaginarão que uma entrevista a Sting, em tempo de promoção do que seria o último álbum dos The Police, está na origem de uma decisão que definiu um caminho para uma banda que então procurava dar os seus primeiros passos. Eram um duo, juntando um jornalista (enviado da revista Smash Hits a Nova Iorque para fazer a entrevista) e um antigo estudante de Arquitectura. Na altura já respondiam como Pet Shop Boys. E 25 anos depois são reconhecidos como um dos nomes mais importantes da história da música pop.
Neil Tennant, hoje globalmente conhe-cido como a (muito característica) voz dos Pet Shop Boys, era então jornalista. Licenciado em História em 1975, trabalhava desde finais de 70 no mundo editorial. Foi editor da Marvel, trabalhando depois numa sucessão de publicações, até acabar como editor da Smash Hits [capa aqui ao lado, da edição de 7-20 Set. 1988, já com os Pet Shop Boys na capa], revista sobre música pop com grande projecção na primeira metade dos anos 80. Chris Lowe, por seu lado, tinha estudado Arquitectura, chegando a ver uma obra sua (uma escadaria) construída em Milton Keynes. Ambos tocavam instrumentos desde os dias de escola. Tennant fora violoncelista e guitarrista, e chegara mesmo a ter uma primeira banda. Lowe tocara trombone...
Em 1981 os caminhos de ambos cruzaram-se numa loja de alta fidelidade em Kings Road, em Londres. A partilha de interesses e o entusiasmo pela música pop juntou-os, nascendo a parceria que até hoje já gerou 56 singles, dez álbuns de originais, quatro de remisturas, um disco ao vivo, algumas antologias, um musical de palco, uma banda sonora alternativa para um filme mudo de Sergei Eisenstein (o clássico Couraçado Potemkine) e uma série de digressões, algumas delas registadas em vídeo ou DVD.
Começaram a trabalhar num pequeno estúdio em 1982. A princípio apresentavam-se como West End, acabando por mudar o nome para Pet Shop Boys (a relação mais próxima com a designação devendo-se ao facto de uns amigos terem então uma loja de animais).
Em Agosto de 1983, num serviço para a revista para a qual então escrevia, Neil Tennant parte para Nova Iorque. Sting e as canções do álbum Synchronicity eram o motivo da viagem. Porém, foi numa pausa para almoço que a viagem acabou por marcar a vida dos Pet Shop Boys. Admiradores do som hi-nrg que se ouvia nas noites dançantes de Nova Iorque e São Francisco, mas que escutavam do lado de cá do Atlântico, tinham já contactado um dos seus mais destacados produtores.
Chamava-se Bobby Orlando [foto] e pelo correio tinha recebido uma primeira maqueta com canções dos Pet Shop Boys. Foi ele quem almoçou com Neil Tennant, terminando a refeição com um acordo: Bobby Orlando aceitava produzir um disco para o duo britânico. Alguns meses mais tarde, West End Girls chegava às discotecas. Na versão original, ficou, contudo, bem longe dos resultados que, um ano depois, transformaria a canção num êxito global.
A relação com Bobby Orlando ficou por esse episódio. Em 1985, separados do produtor norte-americano, assinam pela EMI, focam todas as atenções no grupo e Tennant deixa a Smash Hits. O primeiro single, Opportunities (Let’s Make Lots Of Money), passa discretamente pelos últimos lugares da tabela de vendas... Regressam a estúdio, com Stephen Hague, para regravar West End Girls. E quando a nova versão surge, em Outubro de 1985 [capa], leva-os ao número um em vários países.
Era o definitivo lançamento de uma carreira que, desde então, nunca conheceu momentos de pausa. Somaram êxitos com dimensão global sobretudo até meados dos anos 90, com canções suas como Suburbia, It’s A Sin, What Have I Done To Deserve This?, Rent, Heart, Left To My Own Devices e Can You Forgive Her ou versões de clássicos como Always On My Mind (de Elvis Presley), Go West (Village People) ou Where The Streets Have No Name (U2).
Demarcaram um terreno e linguagem seus, vincando inteligência, elegância, eclectismo e um profundo conhecimento dos ingredientes que fazem uma grande canção pop. 25 anos depois, como o novo Yes o reafirma, são ainda uma dupla activa, criativa e em tudo consequente.

Canções e suas imagens

J. L.: Quando olhamos para a capa do álbum Very (1993), deparamos com uma austeridade formal conduzida a um extremo puramente poético. Não só os Pet Shop Boys não aparecem, como aquilo que nos é dado ver tem tanto de intrigante como de potencialmente abstracto: Very apresenta-se, através de uma espécie de peça gigante de Lego, de formato quadrado e cor laranja, como se aguardasse a edificação de uma qualquer estrutura a que poderá servir de base de sustentação.
Todas as imagens de Very foram trabalhadas a partir desses pressupostos figurativos e, mes-mo quando Neil Tennant e Chris Lowe surgem em tais imagens, apresentam-se como figuras mais ou menos futuristas, subtilmente paródicas, de um mundo em que é normal usar... capacetes de astronauta (?) com muitas cores. É nessa pose [imagem no início deste texto] que se mostram no genial teledisco de Go West, dirigido por Howard Greenhalgh, cruzando a imagem da Estátua da Liberdade com a simbologia da Revolução Soviética!!!
Estranho? Talvez. Mas a palavra exacta para definir este universo de muitas contaminações estéticas não será “estranheza”. Podemos tentar outra, menos agressiva e, como convém, mais clássica: elegância. O universo formal dos Pet Shop Boys é devastadoramente elegante, não porque se esgote numa pose mais ou menos mediática (e, afinal, efémera), antes porque se fundamenta num metódico e hipersofisticado trabalho de síntese sobre elementos originais ou singelamente roubados a outros universos. Nessa perspectiva, no mundo plural da iconografia pop, eles pertencem à galeria de honra onde residem alguns (poucos) eleitos como Madonna ou David Bowie.
Afinal de contas, estamos a falar de um duo de criadores que compuseram uma banda sonora para O Couraçado Potem-kine (1925), de Sergei Eisenstein, rea-firmando a sua paixão por algumas memórias da arte soviética [foto-grama]. Para além do desafio imenso de “sobrepor” nova música a um dos marcos incontornáveis da mise-en-scène cinematográfica, os Pet Shop Boys começaram por apresentar essa banda sonora num concerto/projecção realizado a 12 de Setembro de 2004, na Trafalgar Square, em Londres. Como quem diz: a vida das formas é feita de permanentes exercícios de transfiguração e deslocamento em que todas as imagens e todos os sons podem ser refeitos, repensados e reencenados.
Por alguma razão, os Pet Shop Boys têm um álbum que dá pelo nome de Bilingual (1996). De facto, cada coisa que se diz (ou canta) pode ser dita noutra língua. A elegância é também a arte da democracia formal. E da sua felicidade estética.

>>> Teledisco de West End Girls.