A revista The Believer propõe uma viagem multifacetada pelo cinema: memórias, ensaios, entrevistas e... um DVD com algumas raridades sobre as visitas de Jean-Luc Godard aos EUA, nos anos 60/70 — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 de Abril), com o título 'A vida do cinema e a sua morte'.
Chegou recentemente ao mercado português a edição de Março/Abril da revista norte-americana, The Believer. Sediada em São Francisco, The Believer é uma publicação vocacionada para a literatura, mas com uma enorme abertura temática e especulativa para todos os domínios artísticos e suas multifacetadas implicações políticas e culturais.
Este número tem como tema aglutinador o cinema (“The 2009 Film Issue”) e inclui um precioso DVD que regista várias presenças de Jean-Luc Godard nos EUA. Temos, assim, a possibilidade de conhecer três filmes até agora com escassa divulgação: Two American Audiences (1968), de Mark Woodcock, sobre o encontro de Godard com estudantes da Universidade de Nova Iorque, em 1968, tendo como referência próxima o seu filme La Chinoise; Godard in America (1970), de Ralph Tranhauser, documentando uma viagem feita na companhia de Jean-Pierre Gorin, na altura aliado no chamado ‘Grupo Dziga Vertov’; A Weekend at the Beach with Jean-Luc Godard (1979), de Ira Schneider, pequeno home movie sobre um fim de semana numa praia de San Diego, na companhia de personalidades do mundo do cinema, incluindo Tom Luddy e Wim Wenders, e ainda do dramaturgo e encenador Heiner Müller. O DVD inclui também uma edição de 1980 do programa de televisão The Dick Cavett Show, quando Godard foi entrevistado [foto em cima] a pretexto do lançamento do filme Salve-se Quem Puder (nos EUA chamado Every Man for Himself).
A abordagem do cinema que encontramos em The Believer é tanto mais estimulante quanto dispensa qualquer dependência em relação aos calendários promocionais da actualidade, propondo antes um ziguezague temático entre novidades e memórias mais ou menos primitivas. Assim, por exemplo, encontramos neste número um artigo de Aaron Cutler evocando o cinema “documental” de Jonas Mekas [foto], um ensaio de Victoria Nelson sobre os filmes de Guillermo del Toro e uma deambulação de Michael Atkinson através do insólito e fascinante universo dos cartazes de filmes (de todo o mundo) feitos por artistas polacos. Há ainda um magnífico lote de entrevistas com diversas personalidades, incluindo Mike Leigh, Sam Mendes e Julie Delpy.
O artigo que, por assim dizer, condensa a atitude de The Believer face ao cinema contemporâneo (ou à contemporaneidade do cinema) serve de abertura à edição e tem assinatura do realizador C. S. Leigh. O respectivo título tem tanto de desconcertante como sugestivo: “Contemplando a nova fisicalidade do cinema”. A palavra fisicalidade, ausente de muitos dicionários, é uma bela maneira para descrever este presente eufórico, mas angustiado, em que parecemos estar a abandonar as formas tradicionais de consumo dos filmes, privilegiando novos suportes e diferentes formatos.
Ou seja: o triunfo do DVD e de toda a panóplia digital faz-se também à custa de uma decomposição cruel, porventura irreversível, dos valores clássicos de consumo nas salas escuras. No limite, C. S. Leigh faz-nos sentir o paradoxo vivo do presente: o de celebrarmos todos os poderes do cinema, ao mesmo tempo que a sua dimensão mais clássica parece condenada. Para compreendermos tal estado de coisas, ele cita alguns nomes de cineastas emblemáticos, incluindo o francês Michel Gondry, o americano Paul Thomas Anderson e o português Pedro Costa [foto].
Chegou recentemente ao mercado português a edição de Março/Abril da revista norte-americana, The Believer. Sediada em São Francisco, The Believer é uma publicação vocacionada para a literatura, mas com uma enorme abertura temática e especulativa para todos os domínios artísticos e suas multifacetadas implicações políticas e culturais.
Este número tem como tema aglutinador o cinema (“The 2009 Film Issue”) e inclui um precioso DVD que regista várias presenças de Jean-Luc Godard nos EUA. Temos, assim, a possibilidade de conhecer três filmes até agora com escassa divulgação: Two American Audiences (1968), de Mark Woodcock, sobre o encontro de Godard com estudantes da Universidade de Nova Iorque, em 1968, tendo como referência próxima o seu filme La Chinoise; Godard in America (1970), de Ralph Tranhauser, documentando uma viagem feita na companhia de Jean-Pierre Gorin, na altura aliado no chamado ‘Grupo Dziga Vertov’; A Weekend at the Beach with Jean-Luc Godard (1979), de Ira Schneider, pequeno home movie sobre um fim de semana numa praia de San Diego, na companhia de personalidades do mundo do cinema, incluindo Tom Luddy e Wim Wenders, e ainda do dramaturgo e encenador Heiner Müller. O DVD inclui também uma edição de 1980 do programa de televisão The Dick Cavett Show, quando Godard foi entrevistado [foto em cima] a pretexto do lançamento do filme Salve-se Quem Puder (nos EUA chamado Every Man for Himself).
A abordagem do cinema que encontramos em The Believer é tanto mais estimulante quanto dispensa qualquer dependência em relação aos calendários promocionais da actualidade, propondo antes um ziguezague temático entre novidades e memórias mais ou menos primitivas. Assim, por exemplo, encontramos neste número um artigo de Aaron Cutler evocando o cinema “documental” de Jonas Mekas [foto], um ensaio de Victoria Nelson sobre os filmes de Guillermo del Toro e uma deambulação de Michael Atkinson através do insólito e fascinante universo dos cartazes de filmes (de todo o mundo) feitos por artistas polacos. Há ainda um magnífico lote de entrevistas com diversas personalidades, incluindo Mike Leigh, Sam Mendes e Julie Delpy.
O artigo que, por assim dizer, condensa a atitude de The Believer face ao cinema contemporâneo (ou à contemporaneidade do cinema) serve de abertura à edição e tem assinatura do realizador C. S. Leigh. O respectivo título tem tanto de desconcertante como sugestivo: “Contemplando a nova fisicalidade do cinema”. A palavra fisicalidade, ausente de muitos dicionários, é uma bela maneira para descrever este presente eufórico, mas angustiado, em que parecemos estar a abandonar as formas tradicionais de consumo dos filmes, privilegiando novos suportes e diferentes formatos.
Ou seja: o triunfo do DVD e de toda a panóplia digital faz-se também à custa de uma decomposição cruel, porventura irreversível, dos valores clássicos de consumo nas salas escuras. No limite, C. S. Leigh faz-nos sentir o paradoxo vivo do presente: o de celebrarmos todos os poderes do cinema, ao mesmo tempo que a sua dimensão mais clássica parece condenada. Para compreendermos tal estado de coisas, ele cita alguns nomes de cineastas emblemáticos, incluindo o francês Michel Gondry, o americano Paul Thomas Anderson e o português Pedro Costa [foto].