Estas são imagens de Brooklyn Gang, um portfolio de 1959 — mais tarde um livro — do fotógrafo Bruce Davidson, da agência Magnum. A quarta a contar de cima serve de capa ao novo álbum de Bob Dylan, Together Through Life, ontem lançado na Europa (hoje nos EUA). Na Amazon, podemos encontrar um teledisco de uma das novas canções de Dylan, Beyond Here Lies Nothin', feito a partir das imagens de Davidson — o texto que se segue foi publicado no Diário de Notícias (27 de Abril), com o título 'Memórias de rebeldes sem causa'.
A história criativa de Bob Dylan é indissociável da história iconográfica do seu país. Não tem por isso nada de acidental, muito menos de “decorativo”, que a capa do álbum Together Through Life seja feita com uma imagem que tem o estatuto de referência clássica. Mais exactamente: a fotografia de Bruce Davidson integra um portfolio, intitulado Brooklyn Gang, que é um trabalho clássico na história da fotografia americana da segunda metade do século XX.
Nascido em 1933, David-son é um dos nomes emblemáticos da gera-ção de ouro da agência Magnum, a par de Elliott Erwitt, Philip Jones Grif-fiths ou Josef Koudelka. A série Brooklyn Gang data do mesmo ano em que ele foi oficialmente reconhecido como mem-bro da Magnum: 1959. Motivado pelo que tinha lido sobre os novos gangs novaiorquinos, Davidson conseguiu, através de um assistente social, estabelecer contacto com “The Jokers”, um gang de Brooklyn. Aceite pelos seus membros (era pouco mais velho que a maioria deles), teve a possibilidade de os fotografar nas ruas, cafés e alguns espaços privados, testemu-nhando uma ambiência paradoxal: esta é uma juventude que, pela pose e pelo visual, exibe a sua rebeldia, ao mesmo tempo que se expõe num labirinto de cansaço moral e desencanto existencial.
Pode dizer-se que Davidson apanhou os sentimentos contraditórios de um tempo novo, simbolicamente inaugurado pela imagem de James Dean no filme de Nicholas Ray, Rebel Without a Cause/Fúria de Viver (1955). Assim como o filme de Ray era um retrato do esgotamento dos valores tradicionais do espaço familiar, as fotografias de Brooklyn Gang dão-nos a ver personagens de uma nova juventude, simultaneamente mais distante da clássica mitologia nacional e mais tocada por uma angústia sem nome. Afinal de contas, desta conjuntura existencial iriam nascer muitas das ilusões e desilusões da década de 60. Que Dylan recupere agora estes sinais, eis o que talvez envolva uma mensagem subliminar: a de atravessarmos outro tempo de decomposição dos ideais românticos.