sábado, março 07, 2009

Luciana Abreu, Oprah e... futebol

Factos, sinais, sintomas: eis três breves notas sobre algumas peripécias recentes do nosso espaços televisivo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (6 de Março), com o título 'Luciana e Obama'.

1) No Festival da Canção (RTP1), Luciana Abreu cantou: “Sorri / Encanta / E brilha com a luz das estrelas / Como um anjo que voa / E que olha por nós e por elas.” Logo a seguir, teimando em cantar, rematou com: “Yes we can.” Barack Obama tem mais que fazer do que ocupar-se com os atentados simbólicos à sua histórica palavra de ordem. Seja como for, quando ouço estes desaforos linguísticos (e todos os outros que o festival celebrou com uma euforia sem culpas), não posso deixar de me lembrar dos debates muito sérios que se fazem (na televisão, precisamente) sobre a defesa da língua portuguesa e a transmissão de valores à juventude... Temo que, muitas vezes, se esteja a falar de um país que não existe. “Change we need”.

2) Oprah Winfrey (SIC Mulher) dedicou um dos seus programas à tragédia dos cães e gatos abandonados e, sobretudo, ao meritório trabalho dos asilos que os recolhem, procurando colocá-los em lares onde sejam bem recebidos. Nos EUA, o problema envolve, anualmente, milhões de animais, muitos deles condenados a ser abatidos. Bem sabemos que os dramas sociais estão longe de se esgotar neste problema, mas o modo como é formulado acaba por ser um significativo índice de civilização. Oprah deu uma serena lição de pedagogia social, sem demagogia nem miserabilismo, com um rigor raro nos talk shows.

3) Já não é só uma moda. Passou a ser um efeito de estilo (ou de falta dele...). Assim, vários comentadores dos jogos de futebol parecem considerar que os verbos só existem no tempo infinito. Já não se diz “lembramos o resultado ao interva-lo...”, mas sim “lembrar o resultado ao intervalo...” Já nem sequer há informações do género “vai entrar mais um atacante...”; agora, o disparate gramatical passou a ser chique: “Dizer que vai entrar mais um atacante...” É muito difícil fazer um comentário em directo e é natural que o discurso, mesmo dos mais exigentes, tenha percalços e erros. Mas aqui já não se trata disso: é por convicção. De tal modo que nenhuma linha editorial parece preocupada com o assunto. Ser assim.