Jade Goody, vedeta do Big Brother inglês, morreu no dia 22 de Março de 2009, contava 27 anos. Atingida por um cancro no útero, Jade foi um caso extremo de protagonismo do espaço mediático, não apenas pelas polémicas que envolveram as suas participações televisivas, mas também porque a doença fulgurante que a atingiu acabou por ser um factor de negociação dessas mesmas participações. Jade quis, em particular, garantir o futuro financeiro dos seus dois filhos — encontra-se muita informação biográfica na sua página na Wikipedia, incluindo links para obituários publicados em jornais ingleses.
Para além dos efeitos colaterais da sua existência televisiva — as autoridades inglesas reconhecem que, graças à informação difundida através do caso de Jade, aumentou significativamente o número de testes de despistagem para aquele tipo de cancro —, importa voltar a reflectir sobre a cultura dominante da "reality TV" — este texto foi publicado no Diário de Notícias (23 de Março), com o título 'Na Cama com Jade'.
Jade Goody é apenas mais uma personagem, sem dúvida das mais comoventes, devorada pela fúria desumana da televisão. Madonna bem nos avisou, já lá vão dezoito anos. Foi em 1991 que no filme Na Cama com Madonna, dirigido por Alec Keshishian, ela se apropriou de um modo de encenação que viria a ser adulterado por uma cruel invenção televisiva, derivada da estupidez dos “apanhados”: a “reality TV”, cuja materialização mais directa é o sinistro Big Brother.
Convém, por isso, não nos deixarmos enredar na pusilanimidade política que tende a promover a televisão como um “divertimento” sem consequências. Convém sublinhar as diferenças. No caso de Madonna, assistíamos a um irónico jogo de espelhos, afinal inerente a toda a sua estratégia artística: aceitando expor-se num registo de documentário íntimo, Madonna vivia-o como um pedagógico exercício de desmontagem da estrela (que ela é), do seu estatuto e das suas imagens. Era, afinal, um filme de profunda e salutar diversão. Com a escravatura mediática do Big Brother, o indivíduo passa a ser entendido como peça móvel e descartável de uma máquina de celebração do vazio. O que vale a vida de alguém? Vale o número das audiências e a facturação que daí pode decorrer. Aliás, no caso de Jade, devemos perguntar: o que vale a morte de alguém? Vale precisamente o mesmo: dinheiro.
Dir-se-á que, no caso de Jade, tudo aconteceu por vontade própria, em particular no sentido de angariar fundos para garantir o futuro dos filhos. É verdade que sim. Mas os fumadores também fumam por vontade própria e isso não nos impede de reconhecer que o tabaco provoca o cancro. Importa, sobretudo, pensar o resto. Que resto? O triunfo de uma cultura televisiva que todos os dias promove a ilusão pueril segundo a qual é possível mostrar “tudo” e, sobretudo, que podemos viver sem interditos. O “liberalismo” televisivo conseguiu isso: substituir o reconhecimento público da Lei (e das fronteiras nela definidas) pela euforia anti-humanista do “espectáculo”.
Jade Goody é apenas mais uma personagem, sem dúvida das mais comoventes, devorada pela fúria desumana da televisão. Madonna bem nos avisou, já lá vão dezoito anos. Foi em 1991 que no filme Na Cama com Madonna, dirigido por Alec Keshishian, ela se apropriou de um modo de encenação que viria a ser adulterado por uma cruel invenção televisiva, derivada da estupidez dos “apanhados”: a “reality TV”, cuja materialização mais directa é o sinistro Big Brother.
Convém, por isso, não nos deixarmos enredar na pusilanimidade política que tende a promover a televisão como um “divertimento” sem consequências. Convém sublinhar as diferenças. No caso de Madonna, assistíamos a um irónico jogo de espelhos, afinal inerente a toda a sua estratégia artística: aceitando expor-se num registo de documentário íntimo, Madonna vivia-o como um pedagógico exercício de desmontagem da estrela (que ela é), do seu estatuto e das suas imagens. Era, afinal, um filme de profunda e salutar diversão. Com a escravatura mediática do Big Brother, o indivíduo passa a ser entendido como peça móvel e descartável de uma máquina de celebração do vazio. O que vale a vida de alguém? Vale o número das audiências e a facturação que daí pode decorrer. Aliás, no caso de Jade, devemos perguntar: o que vale a morte de alguém? Vale precisamente o mesmo: dinheiro.
Dir-se-á que, no caso de Jade, tudo aconteceu por vontade própria, em particular no sentido de angariar fundos para garantir o futuro dos filhos. É verdade que sim. Mas os fumadores também fumam por vontade própria e isso não nos impede de reconhecer que o tabaco provoca o cancro. Importa, sobretudo, pensar o resto. Que resto? O triunfo de uma cultura televisiva que todos os dias promove a ilusão pueril segundo a qual é possível mostrar “tudo” e, sobretudo, que podemos viver sem interditos. O “liberalismo” televisivo conseguiu isso: substituir o reconhecimento público da Lei (e das fronteiras nela definidas) pela euforia anti-humanista do “espectáculo”.