O Congresso do Partido Socialista foi mais um pretexto para avaliarmos as actuais relações entre o trabalho político e o trabalho mediático, em particular na gestão das imagens de televisão ou para a televisão — este texto foi publicado no Diário de Notícias (2 de Março), com o título 'Você disse Karl Marx?'.
Face ao aparato de imagens do Congresso do PS, apetece evocar o filósofo francês Louis Althusser (1918-1990). Bem sei que não vem a propósito, quanto mais não seja porque o seu pensamento heterodoxo, proclamando a necessidade de um “retorno a Marx”, se tornou motivo de chacota da direita e coisa tabu para todas as esquerdas. Além do mais, o facto de Althusser ter estrangulado a mulher Hélène (leia-se a autobiografia O Futuro Dura Muito Tempo) torna-o uma referência, no mínimo, perturbante. Seja como for, a sua obra convulsiva deixou uma lição básica cuja actualidade filosófica se mantém: a de que qualquer ideologia é cega aos seus próprios efeitos, considerando-os como “naturais”. Pois bem, o congresso dos socialistas portugueses apostou forte na ideologia televisiva dominante, a ponto de, na sessão de encerramento, termos assistido a essa cena muito na moda, típica de concurso ou festival da canção, em que a plateia aplaudia as personagens que desfilavam no ecrã gigante. As televisões, preocupadas com as competências de Vital Moreira, brilhante reforço da época de transferências, não colocaram a pergunta básica: por que é que, a certa altura, o congresso parecia um telejornal? Mero pragmatismo: afinal de contas, era trabalho adiantado.