Henri Rousseau
O Sonho
1910
Vale a pena registar no nosso calendário mediático: a expressão a guerra do futebol — que já todos usámos para descrever os excessos em torno de um desporto que merece outros olhares mais dis-poníveis e menos belicosos — deixou de ser uma metáfora. De facto, a agitação em torno do penalty mal assinalado por Lucílio Baptista (no passado dia 21, na final da Taça da Liga) deixou um saldo social e simbólico muito preciso: o futebol passou a ser predominan-temente — entenda-se: televisivamente — mostrado e analisado como lugar de uma cultura do conflito permanente. Deixou de interessar o gosto pelo desporto, a paixão pelas especificidades do jogo, até mesmo as salutares rivalidades entre clubes — tudo isso foi esvaziado de sentido: mostra-se futebol, discute-se infinita-mente futebol apenas para instalar e reforçar o sentimento de que é preciso encontrar razões para algum conflito com algo ou alguma coisa. O espaço da comunicação transformou-se num campo de batalha, ao cidadão incauto "exige-se" que escolha uma barricada. O país é apresentado como palco de uma tragédia permanente.