domingo, fevereiro 22, 2009

A suite "desactualizada" que já não o é

Clássicos do Século XX - 12
'Os Planetas', de Gustav Holst
(1918)

Em 1918, perto do final da I Guerra Mundial, um conjunto de amigos e convidados de Gustav Holst (1874-1934) escutava pela primeira vez, em Londres, Os Planetas, uma suite em sete andamentos, cada qual retratando um dos planetas (excluíndo a Terra) do nosso sistema solar. Uma das mais célebres obras da década de dez, esta a suite orquestral assombrou depois, de certa forma, a vida do seu criador, sentindo este que a popularidade da obra quase ofuscou o seu restante trabalho. Essa foi talvez a razão pela qual a descoberta de Plutão, em 1930, não o levou a querer acrescentar mais um andamento, “actualizando” assim a visão então alargada da realidade que retratara alguns anos antes. Contudo, a “despromoção” recente de Plutão, faz hoje de Os Planetas, novamente, um retrato completo do sistema solar. Na verdade a visão proposta em música nasce de conceitos mais astrológicos que astronómicos. Holst fazia horóscopos a amigos e criou cada um dos andamentos de Os Planetas (cada qual sobre um planeta), reflectindo mais sobre o seu suposto efeito astrológico na mente humana que sobre as características mitológicas dos nomes a si associados. Isto para nem falar no conhecimento astronómico, que as sondas Voyager e Cassini-Huygens ainda nem sequer eram sonho...

Em plena década de dez, a música conhecia uma série de revelações e visões que contribuiram significativamente para algumas das opções que definiram muitos dos grandes caminhos seguidos mais adiante. A estreia, em 1912, d’A Sagração da Primavera, desencadeara polémica em Paris, mas abria horizontes desafiantes para a música. Da mesma época, as Cinco Peças para Orquestra de Arnold Schoenberg despertavam novas ideias. É neste contexto que o inglês Gustav Holst, colega de Vaughan Williams e em tempos fortemente influenciado pela música de Ravel, Richard Strauss e Grieg, compõe a suite pela qual o seu nome transcendeu depois o universo dos que acompanham a música clássica. Os Planetas começou por ser composto como um dueto para piano, com o andamento dedicado a Neptuno pensado para um orgão solista, pensando que a distância a que este planeta se encontra e o mistério que o envolvia não jogariam com o som do piano. A ordenação dos andamentos (Marte, Vénus, Mercúrio, Júpter, Saturno, Urano e Neptuno) sugere uma ideia de distância progressiva face à Terra (na verdade Vénus esá mais perto, mas enfim...). Neptuno, que encerra a suite, foi a primeira obra da história a ter um fim em fade out. O efeito era conseguido colocando o coro feminino numa sala adjacente, fechando lentamente a porta para a sala de concertos, até que o som distante se confundisse com o silêncio.

Em sala, Os Planetas ouve-se nas mais diversas “encenações”, desde a actuação, mais habitual, da simples e clássica orquestra a experiências multimedia com projecções em simultâneo. Há arranjos alternativos propostos, desde transcrições para piano (na verdade a forma original) ou metais até uma versão para sintetizadores, por Isao Tomita. A suite Os Planetas conquistou entretanto espaço de vida além das salas de concerto e dos discos. O cinema, por exemplo, visitou esta música muitas vezes. Há uma citação a Urano em O Regresso de Jedi e a suite, no seu todo, inspirou a banda sonora de Star Trek VI: The Undiscovered Country. Vénus ouve-se em Wallace & Gromit: A Ameaça do Coelhomem... A televisão já usou vários excertos desta suite, desde o episódio sobre Marte do Cosmos, de Carl Sagan, ao episódio Space Brain, de Espaço 1999. Esta música também já circulou por vídeojogos. E Júpiter chegou a ser usado como hino num campeonato de rubgy... Na música pop não faltam versões e citações, por nomes que vão de Rick Wakeman aos Laibach.



Interpretação, em concerto, do quarto andamento da suite Os Planetas: Jupiter, the Bringer Of Jollity.