Andrew Bird é um dos mais interessantes cantautores revelados em finais dos anos 90. Com obra dispersa em vários projectos e colaborações, acaba de editar um novo álbum em nome próprio, talvez o melhor de uma discografia que já mereceu vários episódios de aclamação. A personalidade demarcada da sua música, onde se cruzam ecos de uma educação clássica com uma paixão pela folk e uma invulgar capacidade em escrever canções com travo pop, assim como um talento evidente na ultilização do violino e uma recorrente utilização do assobio, fazem desta obra uma das mais cativantes entre as que vemos a crescer ano após ano. Do quase ascetismo de algumas das suas actuações em palco à grandiosidade orquestral que já escutámos em momentos vários nos seus discos, um mundo de ideias tem percorrido a sua música, evitando a repetição e o estabelecimento de normas rígidas. Pelo contrário, rearrumando referências, rearranjando ideias e interesses a cada novo disco, Andrew Bird nunca deixou de nos surpreender. Num trilho distinto do que dirara os rumos de Armchair Apocrypha, de 2007, Noble Beast recupera o instinto pop do magnífico Andrew Bird & The Mysterious Production Of Eggs (de 2005), numa espantosa colecção de canções onde escutamos palavras invulgares, entre melodias discretas, arrumadas por arranjos elaborados, que nunca ofuscam a medula das ideias de cada canção. O alinhamento oferece a cada tema uma certa dose de surpresa, que ora contempla mais de perto velhos hábitos de paisagismo à la Ry Cooder (como em Effigy) como ensaia uma pop quente, de carne e osso, feita de diálogos entre raizes folk e pop/rock (como nuns The Shins, como se escuta em Nomenclature). A edição em CD duplo acrescenta a este magnífico conjunto de canções um disco de composições instrumentais que fazem de Andrew Bird mais um nome a acrescentar a uma pequena família de músicos que, como Scott Walker, Sufjan Stevens ou Owen Pallett, da pop, souberam já abrir espaço para a invenção além das fronteiras pop/rock. Com a colaboração de Glenn Kotche (Wilco) e Todd Sickafoose, Useless Creatures (assim se chama a colecção de instrumentais) amplifica as potencialidades de um músico que cada vez mais merece o protagonismo que os seus admiradores há muito nele reconhecem. ´
Andrew Bird
“Noble Beast”
Bella Union / Popstock
4 / 5
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Um ano depois da apresentação da aventura conjunta com Zooey Deschanel na dupla She & Him, M Ward regressa aos discos em nome próprio. O músico, com alma e gosto talhado num diálogo aberto entre os terrenos da folk e os da música country com referências dos universos pop/rock, propõe em Hold Time o que parece ser um olhar de síntese sobre estes mundos ao seu redor. Uma “vista panorâmica”, como o próprio refere logo nas primeiras palavras de For Beginers, a canção que abre o alinhamento do álbum. Traduzindo talvez a alma de quem vive em Portland e pede por mais luz, as canções que escutamos parecem desejar dias de um Verão sonhado, somando ao sonho uma certa melancolia lhe mora na alma (todavia distante das assombrações que se escutavam nos seus discos mais antigos). Sem sugerir um caminho concreto, circulando antes entre registos e referências, traduzindo sempre uma identidade talhada por narradores de histórias, gentes e lugares, as canções sucedem-se ora mais texturalmente ricas, ora mais simples e despidas de adornos, ora evocando tempos e heranças antigas, ora abrindo espaço à electricidade, ora sugerindo trovas ao relento, ora aceitando a marcas da cultura urbana. Esta navegação à vista entre experiências e caminhos aceita ainda pontuais viagens no tempo, promovidas através de magníficas versões de Rave On, de Buddy Holly ou Oh Lonesome Me, Don Gibson. M Ward não está só nesta breve aventura que segue a linha do que nos mostrara há quase três anos em Post-War. Em ocasionais colaborações revelam-se as presenças de Lucinda Williams, Jason Lytle (Grandaddy), Tom Hagerman e, claro, Zooey Deschanel. A voz e uma identidade na composição seguram no fim os pequenos mundos que aqui se cruzam, num disco que encontrou a unidade na diversidade.
M Ward
“Hold Time”
4AD / Popstock
4 / 5
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Em meados da presente década Morrissey protagonizou uma das mais aplaudidas e bem sucedidas operações de “regresso à boa forma” dos últimos tempos. O magnífico You Are The Quarry (2004) ultrapassava em tudo uma longa etapa de quase inconsequente produção musical, servindo finalmente um sucessor de nível para o igualmente recomendável Vauxhall And I (1994), uma das suas melhores colecções de canções da etapa vivida a solo. O “momento” era novamente seu, seguindo-se uma digressão que reclamou com dignidade algum do legado dos The Smiths, depois registada em disco em 2005 em Live At Earl’s Court. Em 2006, Ringleader Of The Tormentors, criado à volta de Roma, confirmava o renascimento, surpreendendo pela abertura de espaço a uma intimidade inesperada... Years Of Refusal é agora o nono álbum de originais a solo de Morrissey e o terceiro posterior a este reencontro com uma capacidade de comunicar além da sua mais próxima (e leal) legião de admiradores. Desviando as atenções de si para o mundo, a sua forma de o viver e comentar (aproximando-se assim do seu registo mais “clássico”), este é um disco de linhas directas, sem as preocupações cénicas de Ringleader Of the Tormentors, e de intensidade rock’n’roll mais evidente que You Are The Quarry. É um álbum de robustez nas ideias, de sólida presença vocal, mostrando como, a caminho dos 50, Morrissey sabe do tempo que passou, mas, mesmo levantando uma eventual data de retirada, está longe de ser uma sombra do seu passado. O alinhamento mostra-nos uma mão cheia de canções de apelo pop bem nascidas, entre as quais o single I’m Throwing My Arms Around Paris ou That’s How People Grow Up (já revelada, como All You Need Is Me, no recente best of). Traz surpresa de tempero tex-mex em I When I Last Spoke To Carol... Pujança eléctrica em vários episódios... Não é o monumento de composição revelado no disco de 2004 nem dá continuidade à demanda formal mais elaborada que se escutou em 2006. Mas está longe de ser um passo atrás.
Morrissey
“Years Of Refusal”
Decca / Universal
3 / 5
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Zach Condon é uma das maiores revelações da presente década. Natural de Santa Fé, no Novo México, começou a descobrir o mundo quando, com os pais, se mudou bem cedo para o estado da Virginia. Mais tarde, em idade de chegar à Universidade, resolveu estudar filosofia e... português. Quando deu os primeiros passos como Beirut revelava um interesse pela música dos Balcãs (que ficaria depois registado no LP de estreia Gulag Orkester). Para o segundo álbum, Paris foi a musa inspiradora. Agora, ao apresentar um duplo EP (quase com sabor a álbum), Zach regressa a casa. Ou melhor, às vizinhanças, encontrando no México elementos que assimila em favor de uma música que em tudo confirma um desejo de traduzir vivências e experiências sentidas na pela. Na verdade, o disco apresenta-se em duas partes distintas. É um duplo EP e não um álbum, por isso mesmo. Na primeira metade, sob o título March Of The Zapotec, Zach mostra-se acompanhado pela Jimenez Band, uma banda de 19 elementos que conheceu numa recente viagem a Oaxaca, no México. Estamos aqui mais próximos de terreno habitual na sua obra, cruzando-se as marcas escutadas em viagem com uma identidade aberta à sugestão, firme contudo numa forma de pensar a canção. Na segunda metade do EP, Zach Condon propõe uma abordagem à canção pop electrónica... naturalmente à sua maneira. A metade mexicana do disco espelha um músico que, de tão encantado com o os sons que encontrou em viagem, quase se rende ao efeito da foto turística, acabando secundarizado pelos (magníficos) convidados. Na segunda, os ensaios são mais representativos de uma vontade em se reivnetar que se sentira na sua discografia até aqui... Mesmo longe do seu melhor há por aqui alguns momentos dignos de fazer deste um episódio digno de ser contado na discografia de Beirut.
Beirut
“March Of The Zapoec / Holland”
Forte / Popstock
3 / 5
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E de repente parece que a patente de uma pop com sabor aos mais revistados ecos de 80 e electrónicas como ferramenta primordial (não exclusiva) foi registada na Austrália. Não que outras músicas por lá aconteçam. Mas estas são as que mais nos chegam nos dias que correm... Com belíssimos exemplos nuns Presets ou Cut Copy. Mas já com uma legião de casos menores a apanhar agora um comboio em andamento, aproveitando a boleia para servir mais do mesmo, mas em não tão bom como isso... Um dos mais visíveis exemplos chega-nos através do que parece ser a grande aposta de uma editora multinacional num duo que reune dois músicos com experiência já feita em outras bandas, Luke Steele nos Sleepy Jackson e Nick Littlemore nos Pnau. Chamam-se Empire Of The Sun (segundo o romance de JG Ballard que depois inspirou o filme homónimo de Spielberg), e conheceream, logo com o single de estreia, Walking On A Dream, o imediato sucesso pop local. A canção, com cor e açúcar em excesso e um falsete que cansa um santo, surge agora acompanhada no alinhamento de um álbum onde quase todas as demais composições parecem fruto de uma mesma forma de entender a canção. A capa do disco, um pastiche garrido do modelo dos cartazes da saga Star Wars, sugere desde logo um universo com mais gosto pela forma que pelo conteúdo. Nada contra, se houvesse surpresa ou desafio na forma, o que na verdade não acontece... Em inícios dos anos 80 dizia-se, com uma pitada de maldade, que bandas como os A Flock Of Seagulls ou Kajagoogoo passavam mais tempo a pensar nos penteados que na música... E convenhamos que havia um fundo de verdade na coisa que, quase 30 anos depois, de ambos pouco mais lembramos que... os penteados. Contudo, e apesar da aceitação do single de estreia por algumas latitudes, nem um I Ran nem um Too Shy brotam do alinhamento de Walking On a Dream...
Empire Of The Sun
“Walking on a Dream”
Virgin/EMI Music Portugal
2 / 5
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Também esta semana:
Erasure (remisturas), Jazzanova, Damned (reedições), Cinematic Orchestra, “Heroes”, Can (reedição), Eliott Carter (retrospectiva), Van Morrisson (live), Visage (reedição), Chris Isaak
Brevemente:
2 de Março: U2, Arvo Pärt, Brighton Port Autority, Neko Case, Madlib, House Of Love (live), Bozoo Bajou, Howling Bells, Loney Dear, The Prodigy
9 de Março: Vetiver, Annie Lennox, Nick Lowe, Nasa, Walker Brothers (best of), Casiotone for the Painfully Alone, Razorlight
16 de Março: Bonnie Prince Billy, Pete Doherty, Siouxsie & The Banshees (reedições), Susumo Yokota, Black Lips
Março: Pet Shop Boys, Grizzly Bearl, White Lies (ed nacional), Xutos & Pontapés, The Prodigy, Mexican Institute of Sound, Mirah, William Orbit, The Decemberists, PJ Harvey + John Parish, Arcade Fire (DVD), MSTRKRFT, Frank Black, VV Brown, Bell Orchestre, Royksopp, Fever Ray, Leonard Cohen (live), Whitest Boy Alive, The Rakes, Gomez, Peter, Bjorn + John
Abril: Metric, Papercuts, Yeah Yeah Yeahs, Depeche Mode, Annie, Tortoise, Art Brut, Vitalic, Bill Callahan, Bat For Lashes