sábado, janeiro 17, 2009

Em conversa: Zé Pedro (1)

Iniciamos hoje a publicação de uma entrevista com Zé Pedro, dos Xutos & Pontapés que evoca os 30 anos da banda, celebrados este mês. A entrevista serviu de base a um artigo publicado no suplemento DN Gente, a 10 de Janeiro.

Que memórias guardas dos dias em que a música começou a ter algum protagonismo na tua vida?
Lembro-me das festas de finalistas. E de convívios nos liceus. À falta de DJs, levavam bandas... A maior parte do tempo faziam covers. Cada banda estava mais ligada a esta ou aquela banda de referência. E depois tinham os seus originais. E alguns depois faziam a ponte para os originais, como os Chinchilas. Acho que a primeira banda de música portuguesa que vi foram os Beatnicks, na altura do Rui Pipas. Depois vêm cá os Vinnegar Joe, do Robert Palmer, e aquilo foi um estoiro! Foi no Monumental, num concerto à meia noite e meia! E mais à frente fizeram a primeira parte dos Blood Sweat and Tears em Cascais. E isso deu logo a ideia de dois vocalistas... Por essa altura apareceu uma companhia, a IF, dirigida por um americano [Kevin Hoidale] que tinha uma banda. Vinha dos Objectivo e formou os Albatroz.

Qual era a principal fonte para a descoberta de nova música?
Era a rádio! A descoberta do FM! Devorava o FM... Depois entre uns e outros conhecemos as coisas.

O Em Órbita é um programa com alguma importância nessa fase...
Passava alguma dessa música. Havia alguma atenção pelo que surgia de novo em Portugal. Depois também ia para a discoteca do Carmo. E havia já aquela tentação de pegar em coisas portuguesas.... Olhávamos para as capas para ver se interessavam...

Entre os teus primeiros discos já havia rock português?
Eu era puto, vivia nos Olivais, mas nessa altura andava já atrás das bandas. Já tínhamos os discos dos Petrus Castrus, o D. Sebastião do Quarteto 1111...

Já tocavas por essa altura?
Ainda não. Só me começo a interessar pelos instrumentos depois de ter ido ao festival punk [em 1977]... Entretanto comecei a comprar discos. E a Rock & Folk. Passei fases. Numa altura ouvi muito a orquestra do Duke Ellington, as big bands... Depois entrei muito pelos blues... O Rui Neves dava-me uma dicas daqui e dali. Depois há o aparecimento do festival de jazz de Cascais. Antes disso há uma peça de teatro no São Luiz, o Misssa Leiga, onde a tocava a Heavy Band. E aquilo para mim foi fabuloso. A banda tocava num palco pequeno... Gostei mesmo. E daí ter começado a ir para os convívios à procura de bandas. Aquele foi o meu clic... Então aparece o primeiro festival de jazz de Cascais. E com a troca de programação a primeira coisa que aparece em cima do palco é o Miles Davis! Com calças à boca de sino, óculos, T-shirt curtinha... Com o Jack DeJohnette na bateria, o Keith Jarrett e o Chic Corea no piano, o Dave Holland no contrabaixo, o Stan Getz no sax... Foi fabuloso. Era o auge do jazz rock. Aquilo nunca mais me saiu da cabeça. Entrei então muito nas ondas do jazz. E ainda ouvi muito o rock alemão, que estava a nascer. Lembro-me de ouvir o primeiro álbum dos Tangerine Dream, com o Klaus Schulze ainda na bateria. E depois um baixo e um guitarristas. Havia parecenças enormes com o acid rock da Califórnia.

Todos os discos, bandas ou movimentos, acabam sempre por fazer pontes, citações, referências...
O Keith Richards diz que o rock’n’roll é uma passagem de testemunhos. E é verdade. Vamos sempre beber ideias a um lado ou outro, e não devemos ter vergonha disso. Se não copiarmos damos, antes, uma interpretação ao que ouvimos. Nos Xutos & Pontapés temos isso. Quando começámos o António Sérgio tinha o Rotação. Gravávamos o programa e passávamos as cassetes de uns para os outros. Aprendíamos muitos nas cassetes. Essa passagem de testemunhos é extremamente saborosa a nível criativo. A aproveitar uma ideia qualquer estamos afinal a criar uma coisa nova. E é por isso que o rock’n’roll não se esgota. Vamos buscar uma coisa ao Elvis ou ao Chuck Berry, depois junta-se um bocadinho de Stones e mais uma pincelada de Red Hot... Não é que seja preciso juntar isto tudo, Mas se isto estiver em funcionamento na nossa cabeça, durante a composição de uma música nova... Nos Xutos & Pontapés, quando aparece uma música lembro-me de assumir uma personalidade minha naquela música. Gosto de me identificar com alguém, de fazer um riff à isto ou aquilo. Ter essa imagem de um músico em mente (e às vezes pode nem ser um guitarrista, mas apenas uma atitude). Essa música, na minha cabeça, vai ao encontro de determinadas coisas... E tenho a impressão que, entre nós todos, e sem disso falarmos, temos um bocadinho dessas coisas. E é por isso que a coisa fica assim, um bocado elástica.
(continua)