É já impossível escrever a história pop/rock da primeira década do século XXI sem apontar nos Animal Collective uma das suas principais (e cada vez mais influentes) forças criativas. Só em 2009, Ruby Suns, Dodos ou mesmo os Sigur Rós revelaram claras marcas de assimilação da “linguagem” criada por este colectivo nascido em Baltimore, hoje disperso no espaço, mas cada vez mais coeso nas ideias. Com raízes lançadas sob vasto espectro de referências, nascidos em 2000 num berço decidido a afirmar, primeiro que tudo, a vontade de experimentar novos desafios, os Animal Collective encetaram em 2004, no marcante Sun Tongs, um processo de depuração das ideias. Arrumando-as, ordenando-as. Sem nunca abdicar de princípios (o mais primordial dos quais ainda, e sempre, animado pelo desejo de ensaiar e desbravar caminhos)... O resultado desse processo deu-nos sublime visão em Feels (2005), reforçando um aprumar de linguagens em Strawberry Jam (2007). Às bases de trabalho definidas numa atitude aberta à experiência, curiosa pelo talhar de híbridos, herdeira de referências várias, da folk ao grande livro do psicadelismo, do minimalismo aos estímulos rítmicos do tribalismo (africano e americano nativo, aqui com segura vénia a Moondog), juntaram recentemente, e talvez como consequência da bem sucedida experiência a solo de Panda Bear em Person Pitch (2007), o sabor das máquinas. Merriweather Post Pavillion (o nome citando uma mítica sala de espectáculos com história feita ao som de várias bandas, entre as quais os Grateful Dead) apresenta-se como a síntese da demanda encetada há cinco anos, num conjunto de 12 canções que acolhem as marcas fundamentais da indentidade dos Animal Collective, nelas introduzindo (como sugerido em concerto no Lux há alguns meses) novas cores através das electrónicas. As máquinas não esgotam contudo a novidade. O disco, de toda a obra dos Animal Collective, é aquele que mais se afasta de uma matriz lo-fi, não perdendo a música personalidade nem intensidade pelo mais evidente gosto pela clareza das formas, como que a sublinhar as certezas que os anos de trabalho lhes permitem agora concluir. Mais claro é também o gosto pelo trabalho da canção, neste álbum morando talvez a sua melhor colecção de composições. 2009, convenhamos, tem aqui já encontrado um dos discos do ano!
Animal Collective
“Merriweather Post Pavillion”
Domino / Edel
5 / 5
Para ouvir: MySpace
E mais um regresso entra em cena. Morgan Geist não gravava a solo desde 1997, o que não foi para si sinónimo de silêncio... Pelo contrário, o músico (com educação clássica num conservatório) optou por ficar na segunda linha dos acontecimentos. Manteve activa a sua editora (a Environ Records), trabalhou como DJ, remisturador e produtor, colaborando com nomes entre os quais os Junior Boys ou Erlend Oye. Ocasionalmente gravou, ora através da parceria que criou com Darshan Jesrani sob a designação Metro Area (onde colaborou Kelley Polar), ora em pontuais singles em nome próprio, como ainda em 2007 nos mostrou no magnífico Most Of All... Em finais de 2008, onze anos depois de Driving Memories, Morgan Geist regressou aos discos, num álbum com lançamento discreto, todavia um dos mais interessantes discos de pop electrónica dos últimos tempos. Traduzindo em pleno as sugestões da capa e do próprio título do álbum (Double Night Time), esta é uma espantosa colecção de reflexões nocturnas, juntando temas instrumentais e canções que traduzem todavia uma experiência das horas vividas ao luar sem a carga assombrada de discos de pop electrónica noctívaga como os que também em 2008 ouvimos com os Chromatics ou Glass Candy. Longe de representar um manifesto retro, assimilando antes as heranças de memórias que vão de um The Man Machine dos Kraftwerk ao electro disco de Giorgio Moroder, Morgan Geist promove aqui, acompanhado por “amigos” de sempre como Kelley Polar ou Jeremy Greenspan, dos Junior Boys, e em clara sintonia com as suas obras recentes, um espaço de ensaio de uma pop electrónica presente. Discreta, tranquila, envolvente e claramente fruto de um presente que vive da soma de vivências. Simplesmente goumet!
Morgan Geist
“Double Night Time”
Environ Recvords
4 / 5
Para ouvir: MySpace
2008 deixa várias marcas na história da música popular, uma delas sendo um evidente interesse pela redescoberta dos valores das heranças folk. O colectivo Headless Heroes é uma das consequências do clima que o ano lançou sobre estas referências. Idealizado pelo produtor nova-iorquino Eddie Bezalel, junta músicos como Hugo Nicholson ou David Holmes com a voz (descoberta no MySpace) de Adela Diane, em volta de uma série de versões de canções com história provenientes de discografias tão distintas como as de Nick Cave, Jesus & Mary Chain, Daniel Johnston ou Vashty Bunyan. Poderíamos comparar a ideia por trás deste The Silence Of Love à mesma que definiu há alguns anos a estreia dos Nouvelle Vague, todavia, sem os mesmos os objectivos de criar uma colecção estilizada, tipo design “moderno” em volta de um mote feito de nostalgia... Há aqui uma identidade de banda, que frequentemente pisca o olho ao som de uns Mazzy Star (bem evidente na versão de Just Like Honey, dos Jesus & Mary Chain). Ocasionalmente a voz de Adela Diane surpreende, ora tacteando o “território” PJ Harvey (como em Just One Time, da banda blues rock britânica Juicy Lucy), ora herdando timbres e modos que evocam a tradição folk de finais de 60 (como no sinfonista See My Love, canção da dupla folk “esquecida” de finais de 60 Gentle Soul). O álbum está longe de ser um monumento de reinvenção da folk. Mas não magoa os originais revisitados. E mostra como de peças tão diferentes pode nascer uma ideia de álbum com personalidade própria.
Headless Heroes
“The Silence Of Love”
Names
3 / 5
Para ouvir: MySpace
Um escorregão não implica um desaire definitivo... Em 2001, de Omaha chegavam noticias de uma banda (na verdade com história que remontava a 1995 e, em tempos, incluindo a presença activa de Conor Oberst) que revelava uma inesperada vontade em revisitar modelos e referências colhidos na memória da new wave... Estávamos ainda a três anos dos primeiros sinais de uma mais expressiva movimentação de bandas nesse sentido, o que hoje faz de Danse Macabre, o quarto álbum dos The Faint, uma peça premonitória de uma geração de bandas entre as quais podemos incluir nomes como os The Killers, The Bravery, White Rose Movement e afins... Talvez com mais negritude na alma. E fogosidade rock’n’roll nos hábitos... Quando os seguidores das mesmas ideias deram nas vistas, a banda que havia adivinhado o passo seguinte antes de todos mais, enganou-se redondamente. E em Wet From Birth (2004) apresentou um dos mais inconsequentes discos de sucessão a uma boa ideia de toda a década. Passaram novamente quatro anos, e em 2008 Fasciinatiion parece retomar a demanda onde Danse Macabre os havia deixado em 2001. Regressa uma mais evidente curiosidade pelo diálogo entre guitarras e teclados, revisitando-se igualmente o tom sombrio que fazia das canções de 2001 acontecimentos intensos, mas não necessariamente festivos... O novo álbum revela contudo uma maior curiosidade pela exploração do som que pela escrita de canções. E é essa curiosidade que deles faz, agora que o comboio new wave passou, e a linha cansou, um caso ainda a ter em conta...
The Faint
“Fasciinatiion”
Blabk.wav
3 / 5
Para ouvir: MySpace
Nem sempre um bom aperitivo prenuncia uma grande refeição... Ou seja, nem todo o single promissor anuncia um álbum à sua altura... É o que acontece com o quinteto sueco Those Dancing Days. Chamaram a atenção com singles de delirante festim pop como Hitten ou o homónimo Those Dancing Days. Mas o álbum, In Our Space Hero Suits, mora muito aquém destes breves instantes de eficácia a três minutos. Se as canções que as colocaram no mapa não mais fazem que o reforçar de uma continuada boa relação dos grupos suecos com as linguagens mais directas da “comunicação” pop, já o álbum mostra que o domínio que a escrita requer envolve depois outras artes, que exigem talento e esforço. E estes dois últimos não parecem ainda morar por estes lados. Musicalmente revisitam modelos power pop, piscam o olho aos Blondie, juntam folia pop escutada aqui e ali entre discos de girl bands de 60, e baralha e volta a dar. Liricamente, a coisa é de uma pobreza franciscana nada estranha a quem não sonha na língua em que quer cantar... O trunfo maior da banda é contudo a sua voz. Chama-se Linnea Jönsson. Revela uma presença firme no melodismo mas capaz da sugestão de uma brusquidão e intensidade que podem conferir mais dramaticidade às canções... Que encontre quem mais bem escreva, então...
Those Dancing Days
“In Our Space Hero Suits”
Whichita
2 / 5
Para ouvir: MySpace
Também esta semana:
John Foxx, Colosal Yes, Bruce Springsteen (best of), Gergiev (Mahler)
Brevemente:
19 de Janeiro: Antony & The Johnsons, White Lies, Andrew Bird, Bom Iver (EP), Calexico (DVD), Jim O'Rourke & Loren Connors, Raymond Scott (caixa), Welcome Wagon, Chico Buarque (caixa), Factory Records (caixa), Secret Machines, Squarepusher
26 de Janeiro: Franz Ferdinand, Bruce Springsteen, Future of the Left, The Bird and The Bee, Johnny Cash (remixes), Of Montreal (EP), Six Organs of Admittance, Swing Out Sister, Glasvegas, Titus Andronicus
2 de Fevereiro: A.S. Mutter (Mendelssohn), Benjy Ferree, Jim White, Lloyd Cole, Dakota Suite
Fevereiro: Morrissey, Björk (DVD), Casiotone for the Painfully Alone, Lilly Alen, Kate Bush (DVD), Asobi Seksu, Beirut/Realpeople, Dean & Britta (DVD), M Ward, Vetiver, Grandmaster Flash, Pearl Jam (reedição), Robert Wyatt (caixa), Empire Of The Sun, Erasure (remixes), Ultravox (reedições), John Hassel,
Março: U2, Grizzly Bearl, Neko Case, White Lies (ed nacional), Xutos & Pontapés, The Prodigy, Mexican Institute of Sound, Mirah, Bonnie 'Prince' Billy, William Orbit, The Decemberists, PJ Harvey + John Parish, Arcade Fire (DVD), MSTRKRFT, Frank Black, VV Brown
Abril: Tortoise, Art Brut, Vitalic
PS. O texto sobre os Animal Collective é uma versão editada de uma crítica publicada a 10 de Janeiro na revista NS